COLUNA

Sônia Zaramella

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Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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Escolas com nomes de notáveis adotam modelo cívico-militar

Foto: Escola Estadual Ulisses Guimarães – Reprodução YouTube

Em Cuiabá, o professor João Crisóstomo de Figueiredo, o comunicador Malik Didier, a vereadora Ana Maria do Couto (Maí), o educador Leovegildo de Melo e o padre Wanir Delfino César – todos em memória – estão entre as personalidades da capital que nomeiam escolas da rede pública de educação de Mato Grosso.

Nas cidades do interior, nomes de expressão no país, como os dos políticos Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Filinto Müller, do educador Paulo Freire, do poeta Manoel de Barros, do ex-presidente Eurico Dutra e do compositor e poeta Vinícius de Moraes, também todos em memória, igualmente batizam escolas públicas no estado.

A prática é um ato de reconhecimento e homenagem àqueles que contribuíram com a educação e a sociedade. De alguma forma, de fato, tais personagens fizeram isso em vida. Porém, o que achei inusitado foi ver esses nomes acima destacados na lista das 101 escolas tradicionais que se converteram em escolas cívico-militares em MT.

A marca foi anunciada e comemorada recentemente pela Secretaria de Educação (Seduc). Desse total, 22 estão em Cuiabá. Nesse padrão, a escola possui uma equipe cívico-militar que cuida da disciplina, da busca ativa e de trabalhar valores com os alunos. Assim, o coordenador pedagógico e professores dedicam-se mais à parte pedagógica

De volta aos nomes, primeiro cruzei a vida dos cuiabanos com lembranças pessoais e a dos nacionais com as informações sobre cada um. Depois dei asas à imaginação para entender como se sentiriam ao saber do novo ‘status’ das unidades de ensino que batizam. Como se sabe, criado em 2019, esse padrão de escola é, atualmente, desaconselhado pelo MEC.

As recordações vieram aos poucos. Aos sete anos iniciei meus estudos no ‘Grupo Escolar Leovegildo de Melo’, próximo ao antigo bairro do Mundéu. O nome do educador Leovegildo era difícil de falar e de escrever, por isso não sai da minha memória de criança. No ginásio, João Crisóstomo foi meu professor de matemática. Inteligente, viveu dedicado à educação.

Já o nome da vereadora Maí era popular na família e entre os amigos, pois foi colega do meu pai em uma legislatura na Câmara de Cuiabá. Ainda nos anos 1960, a memória traz o padre Wanir Delfino César, que foi diretor da Rádio Cultura de Cuiabá, emissora, na época de minha juventude, de programação e repertório musical de qualidade.

Outro nome da área da comunicação, já nos anos 1990, é o de Malik Didier. Colega de profissão, Malik faleceu, aos 36 anos, num acidente de carro na estrada Cuiabá-Chapada, em 1992. É apontado como um comunicador revolucionário e criativo da capital, onde trabalhou na TV Centro América e foi sócio da produtora de vídeo MBC.

Indo agora para os nomes nacionais, Tancredo Neves foi presidente da República eleito no colégio eleitoral, em 1985, que adoeceu e morreu pouco antes da posse. Seria o primeiro civil na presidência do país após 21 anos de ditadura militar. Já o cuiabano Eurico Gaspar Dutra, militar, presidiu o Brasil entre 1946 e 1951.

De seu lado, Ulysses Guimarães notabilizou-se como um dos principais opositores à ditadura. Presidiu a Assembleia Constituinte de 88, que inaugurou a nova ordem democrática no Brasil. Em outra linha, e em outro tempo, figurou o político cuiabano Filinto Muller. No governo Vargas, ele chefiou a polícia política.

Na área cultural estão os nomes do cuiabano Manoel de Barros e do carioca Vinicius de Moraes. Lidando com as palavras, ganharam admiração com poemas singulares e composições de qualidade. Para fechar, anotei o nome do pernambucano Paulo Freire, educador e filósofo, criador do movimento chamado pedagogia crítica.

Os críticos dizem que escolas nesse modelo promovem uma “militarização” do ambiente escolar e, com isso, tolhem a liberdade dos estudantes para manifestar suas opiniões e comportamentos. À coluna, a Seduc informou que a implantação do novo modelo começou em MT no ano passado.

A iniciativa para fazer a alteração de modelo tradicional para cívico-militar parte da comunidade escolar, ela é que sugere e opta pela mudança por votação. No caso das 101 escolas que adotaram o modelo cívico-militar no estado, de um total de 628 unidades, os nomes originais foram mantidos. Mas, se a comunidade pedir, o nome pode ser trocado.

Após revisitar as biografias das personalidades que emprestam seus nomes a essas escolas, fiquei imaginando como reagiriam à mudança? Não vi Ulysses Guimarães e Tancredo Neves respondendo bem ao novo status cívico-militar. Pensei ainda que os poetas Manoel e Vinicius, acostumados com a linguagem literária, provavelmente também ficariam incomodados. Do mesmo modo, imaginei Malik desconfortável.

Na minha mente enxerguei ainda os educadores João Crisóstomo, Leovegildo de Melo e Paulo Freire, este último em especial, desolados. Todavia, na outra ponta, pensei que Filinto Muller e o Marechal Dutra talvez se sentissem bem. Em relação ao Padre Wanir e à vereadora Ana Maria do Couto (PTB), honestamente, não consegui idealizar como reagiriam à conversão.

Para arrematar, trago uma curiosidade. Na última consulta pública para decidir sobre a adoção do modelo cívico-militar, em junho, uma das escolas participantes optou por “Não Aprovo” – a Escola Estadual Major Otávio Pitaluga, em Rondonópolis.

Justamente uma unidade de ensino que leva o nome de um militar, o major de Infantaria cuiabano Otavio Pitaluga, que foi sertanista da equipe do Marechal Rondon e deputado estadual.

Confira aqui a lista das escolas.

 

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