COLUNA

Francisca Medeiros

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Informações que unem o campo e a cidade.

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A origem das aves “de festa”

É tradição. Hoje é dia de bolar estratégias para recuperar espaço na geladeira e de reaproveitar as sobras da ceia natalina, além de programar a troca de algum presente que não serviu. Até há alguns anos, o reinado era do peru, bicho pra lá de espaçoso. A indústria tem investido em outras aves natalinas e com tamanhos menores. É que as famílias encolheram, há mais solteiros e descasados e toda uma geração de nômades disposta a comemorar onde estiver.

É possível, então, que o que sobrou das aves servidas volte à mesa somente no almoço de hoje, em torno da qual o assunto principal já poderá ser a celebração da entrada de 2024. O agro tem feito este ajuste, adequando-se às mudanças da demografia e de comportamento da sociedade. E são muitos os investimentos direcionados a este nicho das proteínas das festas de fim de ano, que já é bem consolidado.

Hoje, no nosso círculo de conhecidos conta-se em poucos dedos quem já viu um peru vivo. Imagine, então, um destes “frangos de festa” que começaram a aparecer a partir da década de 1980 já embalados nos mercados! Na origem deles estão aves da espécie Gallus gallus, de origem escocesa, que foram sendo cruzadas e selecionadas as características mais desejadas até se chegar a estas linhagens com muita carne, de grande maciez, a que temos acesso atualmente.

Tudo começa, de fato, no desenvolvimento genético, cujo domínio global é de poucas empresas: a centenária Cobb-Vantress, subsidiária da Tyson Foods, dos EUA; a Aviagen, que faz parte da corporação alemã EWG; e a Hubbard, de origem francesa e que há cinco anos foi incorporada à EWG. Elas fornecem as matrizes que põem os ovos que são chocados nas indústrias. As aves geradas são engordadas nas granjas até atingirem o peso de abate. No caso dos frangos especiais, leva dois meses; os perus comem por mais tempo, até 15 meses. Enquanto um frango comum é abatido com 44 dias de vida.

Esse tempo a mais de produção faz do peru um produto mais caro. Ele consome 2,7 quilos de ração para produzir um quilo de carne e, no abate, atinge 20 quilos. Já o frango especial consome menos, 1,65 quilo de ração para cada quilo de carne e já vai para o abate com três quilos.

Toda esta movimentação da pesquisa, engorda e abate não é visível para a maioria da população, até porque o ciclo de vida destas aves industriais se dá dentro de poucas unidades que têm a função desta produção específica no país. Bem embaladas pelas campanhas publicitárias, elas chegam prontas nas geladeiras dos supermercados nos últimos meses do ano.

São muitas as curiosidades neste universo tão segmentado. A tradição de se comer peru (Meleagris gallopavo) vem dos Estados Unidos, onde o prato tem espaço garantido no feriado de Ação de Graças, no mês de novembro. Aqui no Brasil o consumo médio anual por pessoa é de cerca de dois quilos de carne de peru; nos Estados Unidos, cinco, e em Israel, 11 quilos.

E o que vai para a mesa de Natal não é o macho, é sempre a fêmea, a perua, que é abatida com aproximadamente quatro quilos e aos 56 dias de produção. Os machos são criados por um período mais longo e, como ficam muito grandes, alcançando até 20 quilos, são destinados para cortes, embutidos e defumados. A decisão de criar o macho ou a fêmea não cabe ao produtor, é a indústria quem define, de acordo com as suas estratégias de mercado.

Aqui no Brasil o peito é considerado o corte mais nobre por ter mais carne. Diferentemente dos Estados Unidos, onde preferem a coxa, com mais gordura. Por aqui, o peito de peru é 50% mais caro que o presunto de peru.

E o próprio nome de um destes frangos especiais, Chester – que não é uma linhagem, mas uma marca registrada de uso exclusivo da Perdigão, pertencente à BRF – já revela o diferencial da ave: 70% da carne se concentra no peito (chest, em inglês) e que é vendida com peso entre 3,5 e quatro quilos.

Pode-se dizer que a maior concentração de carne no peito e nas coxas destes “frangos de festa” caiu no gosto dos brasileiros, que têm reduzido o consumo de peru no Natal. Um levantamento feito pelo laboratório de pesquisa da Nestlé Brasil, divulgado este mês, sobre qual prato salgado não poderia faltar na mesa dos brasileiros no Natal, os mais citados foram, pela ordem, a salada de maionese, o salpicão, o arroz incrementado (no meu pode ter passas sempre) e, só em quarto lugar, o peru.

Enfim, tradição, afetividade e simplicidade sempre têm lugar à mesa. E a ave que nunca perde espaço, seja na festa natalina ou ao longo do ano, é o frango comum. Assado, recheado, frito, ensopado, em iscas, no arroz, com legumes, com farofinha. É a proteína mais barata e democrática dos brasileiros.

E que 2024 chegue trazendo paz e mesa farta para todos!

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