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Francisca Medeiros

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Embrapa quer pesquisar cannabis

O plantio da cannabis está envolvido em ideias preconcebidas e opiniões apressadas alimentadas por um vácuo na legislação. Como empresa oficial de pesquisa agropecuária, a Embrapa assumiu seu papel, criou um grupo de trabalho (GT) e, depois de sete meses, apresentou o relatório para fundamentar o pedido oficial de cultivo da planta no país para fins de pesquisa.

A pesquisa é a base que estrutura qualquer cadeia produtiva a médio prazo. E o Brasil está atrasado na corrida comercial do cânhamo, cujo mercado pode alcançar US$ 97,35 bilhões em 2026, conforme estimativa da New Frontier Data, empresa especializada em análise do setor.

A proposta da Embrapa é criar um programa de 12 anos de pesquisas em quatro frentes: desenvolvimento de cultivares, práticas de manejo, pós-colheita e políticas públicas. O relatório diz que o Brasil tem clima favorável, capacidade tecnológica e empresarial para a produção em larga escala.

Se autorizadas, as pesquisas vão mostrar como potencializar as aplicações medicinais, industriais e agronômicas da cannabis. O relatório não inclui o uso recreativo da planta.

Cannabis e cânhamo são plantas da mesma espécie (Cannabis sativa), mas distintas geneticamente e usadas para fins diferentes. A subespécie cânhamo (hemp, em inglês) contém, no máximo, 0,3% de THC, o princípio ativo que causa efeitos psicoativos. Isso é, em média, 33 vezes mais baixo do que o encontrado na maconha menos potente.

A planta do cânhamo produz sementes com altos níveis de canabidiol (CDB), riquíssimas em proteínas e aminoácidos e que são usadas para alimentação, medicamentos e cosméticos. Do caule são retiradas fibras que viram matéria-prima para fabricar papel, tecidos, cordas, compostos plásticos e materiais de construção.

A maconha é a cannabis cultivada por suas propriedades psicoativas. De baixa estatura, é mais encorpada, com mais folhas e concentração elevada de THC (de 10% a 30%).

Neste tema a legislação brasileira é bastante restritiva comparada com muitos outros países. Em 2019, a Anvisa liberou a importação para venda de produtos derivados da maconha para fins medicinais, que têm mostrado eficácia no tratamento de epilepsia refratária, dores crônicas, Parkinson, Alzheimer e sintomas causados por câncer.

Os medicamentos podem ser vendidos em farmácias com a retenção de receita. A prescrição, de responsabilidade do médico habilitado, deve limitar a concentração de THC a 0,2%. O plantio para este fim ainda é proibido, mas algumas decisões judiciais têm aberto frestas nesta interdição.

O Superior Tribunal de Justiça já deferiu liminares que asseguraram a pessoas com necessidade médica comprovada que cultivem a planta para extração do óleo sem risco de sanção criminal. O entendimento do STJ é que este cultivo não é crime, pois não há regulamentação a respeito na Lei das Drogas.

No início deste mês, o TJ-RJ concedeu Habeas corpus preventivo e salvo-conduto para que uma pessoa com transtornos psiquiátricos pudesse cultivar maconha para fins medicinais. Ficou comprovado que o alto custo dos medicamentos importados dificultava o tratamento. E há decisões semelhantes a esta de outros tribunais, como TRF-6 e TJ-SP.

Em abril passado, partiu do STJ a iniciativa de organizar uma audiência pública para discutir não só a utilização de substratos de cannabis cultivada em solo nacional, mas a ampliação do seu acesso a pacientes do SUS.

São decisões que consideram os cuidados com a saúde, o que é bem diferente do entorpecimento recreativo. Enquanto parte dos políticos e da sociedade brasileira se mantém refratária a esta discussão, vários países já organizaram a cadeia do cânhamo e a regulamentação do uso dos derivados da cannabis.

No Brasil, representantes de vários segmentos têm interesse neste mercado emergente e promissor. São empresas de pesquisa privadas, aceleradores de startups, consultorias, produtores rurais, agrônomos, biólogos e profissionais de saúde.

O relatório do GT da Embrapa, coordenado pelo pesquisador Fábio Macedo e que contou com a contribuição de 19 pesquisadores, prevê o desenvolvimento de genéticas e técnicas de cultivo para cada tipo de aplicação da cannabis.

A estimativa é que existam mais de 5 mil produtos de cânhamo com potencial para impulsionar 21 setores da economia. As fibras podem criar um concreto (hempcrete) resistente, impermeável e isolante térmico. Matéria-prima que já foi usada, por exemplo, na construção de uma pista de bobsled (tipo de corrida de trenó) nas Olimpíadas de Inverno de 2022, na China.

Na indústria têxtil mundial várias marcas – Nike, Levi’s, Reserve, Ginger – usam há muito tempo tecidos de cânhamo. E como as plantações são menos exigentes em água e defensivos, há ainda o apelo ambiental agregado.

Aqui na América do Sul países saíram na frente do Brasil na organização da cadeia do cânhamo, visto como uma commodity agrícola como outra qualquer. A Colômbia já aprovou um Projeto de Lei que separa a cannabis medicinal do cânhamo industrial. E desde o final de 2021 um grupo de empresas paraguaias iniciou um programa de produção de cânhamo industrial.

A versatilidade da planta, que tem potencial de recuperação de solos degradados e na rotação de culturas, pode viabilizar o seu uso também em projetos de compensação de carbono.

Setores do agro participam desta discussão e defendem a criação de um marco regulatório nacional. A pesquisa pública, sem dúvida, será útil para o amadurecimento deste mercado e para quebrar a barreira da desinformação que estigmatiza a planta. O relatório da Embrapa sugere que, na produção, sejam priorizados os pequenos produtores pelo potencial de democratizar a geração de renda e os ganhos sociais de uma cadeia estruturada e sustentável.

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