COLUNA

Francisca Medeiros

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Agricultores em fúria 

Bloqueio de rodovias, queima de pneus, tratoraço nas cidades. São imagens familiares aqui no Brasil por razões político-eleitorais ou, pontualmente, em protesto contra alta de combustíveis ou, ainda, por dificuldades em algum segmento produtivo. Temos visto, desde janeiro, estas imagens pipocarem em manifestações de agricultores europeus. Entre as motivações, algumas têm relação com o agro brasileiro. O pano de fundo, porém, é complexo e coloca em xeque políticas da própria União Europeia (UE).

Os agricultores de lá alegam que os custos de produção aumentaram com as regras ambientais mais rígidas impostas pelo bloco econômico. Temem perder competitividade frente a outros mercados, como o Brasil, que é um grande produtor de alimentos. E não veem com bons olhos um eventual acordo com o Mercosul, o que está, por enquanto, congelado.

Dos 27 países da UE, em pelo menos 15 já houve manifestações. O parlamento europeu, cuja sede fica em Bruxelas, na Bélgica, foi alvo de uma chuvarada de ovos. Na França, o descontentamento começou com a retirada gradual dos subsídios estatais ao diesel agrícola. Depois, se juntaram demandas por simplificação das regras ambientais e fim das proibições de alguns inseticidas.

As manifestações se espalharam, unindo potências como Alemanha, Itália, Espanha e Portugal e economias menores, como Suíça, Grécia, Romênia, Lituânia, Malta e Chipre.

Na França, os cerca de 400 mil agricultores respondem pela maior parte da produção agrícola do bloco econômico. A categoria tem histórico de defesa aguerrida dos próprios interesses, que são muito bem protegidos também pelo governo, pelos cofres públicos.

E os protestos têm surtido efeito. Além da visibilidade global da crise, já levaram a vários recuos dos Estados-membros. A Comissão Europeia, que é o braço executivo da UE, já distribuiu o equivalente a R$ 1,4 bilhão para cerca de 140 mil produtores franceses. E também rejeitou o plano de reduzir pela metade o uso de defensivos agrícolas, como estava previsto no Green Deal.

Este Acordo Verde condiciona todas as áreas de atuação política e econômica da UE ao combate das mudanças climáticas. E estimula a estratégia Farm-to-Fork (da fazenda ao garfo, em inglês) ou Field to Table (do campo à mesa), o movimento que defende uma cadeia agrícola saudável e sustentável das lavouras até o consumidor final.

O acordo prevê que 25% das áreas cultiváveis na UE sejam destinadas aos orgânicos e redução de 50% no uso de defensivos e fertilizantes químicos. Os agricultores temem que estas mudanças tecnológicas causem queda na produtividade.

A Copa-Cogeca, associação europeia de agricultores e cooperativas agrícolas, cobrou clareza na definição de quais são as atividades sustentáveis incluídas na Política Agrícola Comum (PAC), que detém a maior parcela individual do orçamento da União Europeia, em torno de 30%. Uma lista temporária saiu em janeiro e inclui, entre outras, orgânicos, gestão integrada de pragas, redução de carbono, bem-estar animal e redução do uso da água. A Copa-Cogeca exige mais detalhamentos dos projetos, avaliação de impactos e metas.

Outro ponto de discórdia é a burocracia, um emaranhado de normas que enreda o agricultor que reclama da perda de tempo com papelada, contabilidade, para cumprir as regras do Green Deal. Eles têm usado um exemplo clássico: caso alguém resolva plantar uma simples cerca viva terá que se adequar a nada menos que 14 normas diferentes!

Outra determinação do acordo é a conversão de 4% das terras para preservação. Aqui no Brasil, se na Amazônia, a reserva legal é de 80%; se no Cerrado, 20%.

Produzir alimentos é atividade de riscos, ambientais e econômicos. Na Europa, a tradição é de concessão de fartos subsídios públicos para compensar as instabilidades. O recurso, na prática, é também arma geopolítica, que influencia preços, oferta e demanda, e o comércio internacional.

Um documento recente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento (Apex Brasil) faz referência a um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que monitora as políticas agrícolas de 54 países e alerta para o risco de os subsídios contribuirem para a alta de preços, com queda no fornecimento global.

Vejamos o peso dos subsídios em diferentes países. Na China representam 14% da renda bruta do produtor. Na União Europeia, 16%, e nos EUA, 9% (caiu, porque eram20% no início dos anos 2000). No topo estão Noruega, Suíça e Islândia, onde entre 72% e 83% da receita dos agricultores vêm de subsídios. Há que registrar, claro, a dificuldade da produção agrícola nestes países de clima extremo. No Brasil, os subsídios representam menos de 5%, assim como na África do Sul, Nova Zelândia e Ucrânia.

O subsídio é o primeiro pilar da Política Agrícola Comum (PAC), o programa que detém a maior parcela individual dentro do orçamento da União Europeia, em torno de 30%. Entre 2014 e 2020, foram destinados 308 bilhões de euros para pagamentos diretos de subsídios. Para o período 2021-2027, a previsão é de 258 bilhões de euros.

Com o avanço dos protestos, a Comissão Europeia fez várias concessões aos agricultores nos últimos dias. Autorizou o plantio em áreas de pousio, que são as parcelas em que a atividade é suspensa temporariamente para a recuperação do solo. E na discussão sobre redução das metas de emissões totais em até 90% até 2040, o agro foi retirado desta obrigação. O esboço anterior sugeria que o setor reduzisse em até 30% as emissões.

Daniel Vargas, coordenador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em entrevista à Gazeta do Povo, classificou o Green Deal como uma espécie de “culturalismo ambientalista” que se tornou hegemônico na Europa. “O modelo estaria agora em crise e com sinais de que poderá desmoronar”, avaliou. Para ele, começa a mudar na Europa a concepção de que o agro é o grande responsável pelas emissões de gases de efeito estufa.

Metade da balança comercial brasileira vem do agro, seguida dos minérios. A soma dos dois é de 75%. No ano passado, a União Europeia foi o segundo maior comprador de produtos do agro brasileiro, com 13% do volume. Entre as compras, farelo de soja, café, suco de laranja e celulose. Na liderança figurou a China, com 36,2%. E, na sequência, os Estados Unidos, com 5,9%.

A produção brasileira é competitiva e respeita uma legislação ambiental rigorosa. E a Europa tem necessidade de importar. Como ficará o consumidor europeu diante desta crise? Que lições se pode tirar de tudo isso? Na verdade, o bloco está diante de problemas internos, uma crise que está levando, rapidamente, a várias revisões.

E dentro de quatro meses haverá eleições para o parlamento europeu. Com esta panela de pressão, o que sairá das urnas? Um bloco mais aberto ao mundo ou ainda mais restritivo?

O certo é que o Brasil tem produtos de alta qualidade ambiental para oferecer, com a vantagem de produzir de duas a três safras numa área, com baixa pegada de carbono. A diplomacia brasileira, as entidades representativas do setor, os meios de comunicação têm um importante papel em ajudar na desconstrução de imagens cristalizadas que não ajudam a criar um ambiente com mais multilateralismo e confiança entre povos e países.

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