COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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Amar é …  envelhecer junto

Já na meia-idade e com o casamento passando dos 25 anos, minha mãe dizia “Álvaro hoje está impossível” ao reclamar do meu pai. Mais ou menos nessa altura da união, minha sogra também dizia “Luiz hoje está impossível”, queixando-se do meu sogro. Agora, com décadas de casada, sou eu que falo “José Luiz hoje está impossível”. Em “cuiabanês”, o que elas diziam naquele tempo atrás com o termo “impossível” era que os maridos estavam “indóceis”, ou, resumindo, dando trabalho. Já no meu ciclo, que é o agora, quero dizer que tudo isso faz sentido quando repito a frase. E acrescento mais um significado para “impossível”, que é “ansioso”.

Não sou especialista em comportamento humano, mas a idade ensina que essas situações de implicância são próprias de casais que estão envelhecendo juntos. No fundo, expressam atenção, carinho. Mas matrimônios duradouros como esses dos meus pais, sogros e o meu estão ficando raros, não é? Mesmo entre a geração das antigas é difícil encontrar casais ainda “unidos pelo amor até que a morte os separe”. Muitos não estão mais juntos, outros recasaram. Mas em meio aos ‘sobreviventes’ (ainda bem!) percebe-se que a frase de Fabrício Carpinejar cai como uma luva – “A velhice não apaga o primeiro olhar. Você sempre será o que o outro amou à primeira vista”.

Talvez possa estar aí um caminho para se entender que uma união baseada no amor romântico pode, sim, percorrer todas as fases do casamento até chegar ao tempo das impaciências dos seniores (as mulheres ficam impertinentes também).  Os números do IBGE, que divulgou uma pesquisa sobre casamento recentemente, mostram que a situação se complica cada vez mais. Com relação ao tempo de duração dos casamentos, a pesquisa revelou que, em 2010, a duração média de uma união civil era de quase 16 anos. Em 2022 caiu para, em média, cerca de 14 anos. Isso sinaliza que a tendência das uniões duráveis é a de encurtar, ou quiçá, desaparecer.

Assim, com tantos junta/separa e casa/divorcia, não custa lembrar o termo “amor líquido” do sociólogo polaco Zygmunt Bauman para descrever o tipo de relação interpessoal na pós-modernidade, caracterizada pela falta de solidez. Ou seja, os relacionamentos estão cada vez mais superficiais e com menor compromisso. Porém, isso é uma realidade distante da ala dos casados que ficou com o “amar é … envelhecer junto”. Eles seguem parceiros, apesar das compreensíveis limitações e implicâncias da idade fazendo parte de suas vidas, incluindo ainda as confusões e brigas inerentes à vida a dois.

Circulam em supermercados, padarias, farmácias, shoppings, restaurantes e bares, entre outros lugares sociais, às vezes um amparando o outro. Coincidentemente, ontem, na padaria onde eu estava, um senhor de cerca de 80 anos perguntou à esposa da mesma idade: “você já pegou o bolo de queijo”?, ao que ela respondeu com um “sim”. Em seguida, virando-se para mim, que estava ao seu lado, ela explicou em tom maroto: “ele está mais surdo do que eu”. Bingo! Entendi tudo, pois essa propensão de um alfinetar o outro também faz parte do cotidiano do casamento longevo e não significa maldade alguma. Eu só presenciei um caso emblemático de um casal idoso se relacionando, o que não é novidade para mim.

Eu e José Luiz já fazemos parte dessa turma antiga, pois ele está chegando aos 75 anos e eu estou perto dos 71. Para coroar, as Bodas de Ouro se aproximam rapidamente. No entanto, ainda que o tempo avance para nós, pela ciência, ainda não chegamos à velhice. Há umas três semanas, cientistas da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, divulgaram que testes indicam que a velhice começa aos 78 anos apenas. Não é surpreendente? Eles dividiram o processo em três etapas: dos 34 aos 60 anos, foi classificado como idade adulta; dos 60 aos 78 anos, maturidade tardia; e a partir dos 78 anos chega a velhice.

Óbvio que essa é uma métrica geral. Existem casos excepcionais de doenças que diminuem ou aumentam esses indicadores, alertam os pesquisadores norte-americanos. De todo modo, mesmo que o espelho reflita os cabelos grisalhos e a pele não tão firme assim, quem quiser pode usar a pesquisa e dizer que não é velho. Pelo sim, pelo não, nós, José Luiz e eu, optamos por aceitar a naturalidade do passar dos anos e recordar com gratidão as fases já vividas nesse nosso casamento já duradouro. Não vamos esperar a velhice só a partir dos 78 anos, já convivemos com ela do nosso jeito.

Sobre o título desta coluna “Amar é… envelhecer junto” trata-se de uma recordação nossa e de muitos casais contemporâneos que têm na memória a série de cartuns intitulada Amar é… ?, assinada pela neozelandesa Kim Casali. Fenômeno dos anos 1970 e 1980, os quadrinhos rodaram o mundo, inspirando as pessoas a usar frases românticas para sonhar com um amor. Nos desenhos, a cartunista Kim representava a si mesma com olhos e cabelos grandes e Roberto (seu marido) com um “certo ar latino”. Como eram charmosos e as mensagens mais ainda, quis homenageá-los. Coisas que só casamentos duráveis conservam, pois não!?

 

** Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte.

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