COLUNA

Francisca Medeiros

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Arco de Restauração, um projeto ambicioso de R$ 200 bilhões

Durante a COP28 o governo federal anunciou um projeto de restauração ecológica de 6 milhões de hectares na Amazônia até 2030 e de outros 18 milhões de hectares até 2050. Prevê, para isso, investir recursos do Fundo Amazônia, Fundo Clima e captar apoio internacional, com recursos de países, empresas e governos para esta agenda ambiciosa.

Como primeira medida, o BNDES lançou um edital de R$ 450 milhões, provenientes do Fundo Amazônia, para investir em áreas desmatadas ou degradadas do bioma. Para tocar os projetos serão escolhidos os parceiros gestores em chamada pública. Esta seleção já está em andamento e as organizações podem se candidatar até o próximo dia 18.

A avaliação dos candidatos ficará a cargo de um comitê com representantes do BNDES, dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, dos Estados e da sociedade civil integrante do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa).

Serão três parceiros gestores, cada um responsável por uma das macrorregiões da Amazônia Legal. A primeira engloba Acre, Amazonas e Rondônia; a segunda, Mato Grosso e Tocantins, e a terceira, Pará e Maranhão.

Os projetos de restauro deverão ser desenvolvidos em Unidades de Conservação (UCs), RPPNs,Terras Indígenas (TIs), territórios de povos tradicionais, áreas públicas não destinadas, Áreas de Preservação Permanentes (APPs), Reserva Legal (RL) de assentamentos da reforma agrária ou de pequenas propriedades de até 4 módulos fiscais, desde que inscritos no CAR (Cadastro Ambiental Rural). O entorno destas áreas prioritárias também poderá ser incluído. Cada parceiro gestor terá até R$ 150 milhões para apoiar iniciativas na sua macrorregião.

Esta chamada está inserida num programa bem mais amplo e ambicioso, batizado Arco de Restauração, cujo objetivo é fazer um contraponto ao Arco do Desmatamento, a região de fronteira agrícola que vem registrando ao longo das últimas décadas altos índices de desmatamento.

O programa começa com os R$ 450 milhões do Fundo Amazônia, aos quais devem se somar R$ 550 milhões do orçamento de florestas do novo Fundo Clima para financiar restauro em áreas privadas com taxas de juros reduzidas. Está previsto também receber parte dos R$ 10 bilhões captados pelo Tesouro Nacional via títulos sustentáveis ou “green bonds”, que são uma forma de captação de recursos a serem direcionados para financiar projetos sustentáveis.

No total, o programa tem meta de investir até 2050 cerca de R$ 200 bilhões para recuperar um quarto das áreas de floresta desmatadas. Quando do lançamento, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse que o reflorestamento “é a resposta mais barata e mais rápida para a crise climática porque sequestra e armazena carbono”.
A primeira fase vai até 2030 e deve resultar na restauração de 6 milhões de hectares de áreas prioritárias e capturar 1,65 bilhão de toneladas de carbono da atmosfera. Na segunda, até 2050, poderão ser investidos até R$ 153 bilhões, com participação do Fundo Clima, para restaurar 18 milhões de hectares. A estimativa do BNDES é de geração de até 10 milhões de empregos na Amazônia.

Números vistosos, em estimativas de áreas e cifrões, recheiam este programa que contempla uma necessidade ambiental e econômica. Para deslanchar, é preciso que os parceiros se apresentem a tempo e a hora e que haja articulação permanente. O climatologista Paulo Artaxo, que é membro titular da academia Brasileira de Ciências, em artigo publicado no portal da entidade, alertou que este esforço não substitui o compromisso de zerar o desmatamento. “Evidentemente a proposta só faz sentido se conseguirmos eliminar o desmatamento, pois não faz sentido desmatar de um lado e restaurar de outro”.

Artaxo, que também é professor da USP e membro do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas, defende uma ampla articulação entre ministérios, Embrapa, governos estaduais e municipais, universidades, iniciativa privada para que a proposta seja implementada e tenha impacto local. “Além de capturar carbono, precisa beneficiar as comunidades locais, a biodiversidade, integrar governos estaduais e municipais”.

Num desafio tão grande, a pesquisa deveria abrir frentes para desenvolver tecnologias de restauro ecológico com espécies nativas. Esta não é a prática consolidada de implantação de florestas plantadas, normalmente com uso de uma única espécie, como o eucalipto, por exemplo. E é necessário o envolvimento de universidades, fundações de pesquisa privadas, ONGs, viveiros, sem se esquecer dos povos tradicionais, indígenas, quilombolas, extrativistas, coletores, lavradores, trabalhadores rurais.

Outra recomendação de Paulo Artaxo é que o Brasil se articule com outros países detentores de florestas tropicais, como Congo, Indonésia, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador para que eles sejam estimulados a adotar iniciativas semelhantes.

Hoje, no mundo, há exemplos de projetos de reflorestamento em grande escala que podem também inspirar o Brasil. Um deles é o do Platô de Loess, na China. Esta região semi-árida no norte do país sofria os efeitos negativos de práticas danosas à preservação da água e do solo. Com apoio do Banco Mundial, o governo chinês ofereceu aos produtores o apoio técnico das boas práticas agrícolas e também incentivo financeiro para as mudanças. A cobertura florestal no país passou de 16,5% para 20,3% entre 1999 e 2010.

Na Costa Rica, o governo acabou com subsídios a atividades desmatadoras e adotou um sistema de pagamento por serviços ambientais pelo reflorestamento de áreas críticas . A cobertura florestal subiu de 40% para 50% em menos de duas décadas. A Coreia do Sul também adotou medidas de restauração e quase dobrou a área de florestas entre 1957 e 2007.O Níger, entre o deserto do Saara e as savanas africanas, investiu em agroflorestas para reverter o processo de desertificação em mais de 5 milhões de hectares.

E o Brasil deve ajudar o Senegal a superar as dificuldades na implantação de uma grande faixa de árvores para conter o avanço do deserto. Por falta de conhecimento técnico e baixa tecnificação, os senegaleses têm colhido frustração na iniciativa. A Embrapa Agrossilvipastoril, com sede em Sinop, deve contribuir com os conhecimentos sobre Integração Lavoura- Pecuária-Floresta e a Embrapa Semiárido com a tecnologia de barragens subterrâneas. Iniciado há 16 anos, o projeto da Grande Muralha Verde prevê  a criação de uma barreira de contenção do Deserto do Saara que deve cruzar a região norte do continente africano, de leste a oeste. Uma faixa de 8 mil km de extensão e 15 km de espessura de árvores.

Além de ajudar a cumprir as metas de redução das emissões de carbono, o Arco de Restauração pode se tornar um mobilizador de populações inteiras na defesa de que estas mudanças se concretizem. E que garantam um meio ambiente saudável a que todos têm direito de usufruir.

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