Entre a publicidade dos atos jurídicos e a proteção dos dados pessoais

Mario Medeiros Neto*

Quando a Constituição de 1988 resgatou a publicidade dos atos judiciais como garantia fundamental, que havia sido suprimida por uma Emenda Constitucional de 1969 (durante a Ditadura Militar), o objetivo era de garantir a transparência e o controle social sobre o Poder Judiciário, fortalecendo a confiança pública e prevenindo o cometimento de abusos estatais.
Ada Pellegrini Grinover já afirmou que o povo é o juiz dos juízes, e que a responsabilidade das decisões judiciais assume outra dimensão, quando tais decisões hão de ser tomadas diante da audiência pública, na presença do povo.
Mais do que justificado e acertado o posicionamento do constituinte naquele momento. Sobretudo considerando que para se ter acesso aos autos judiciais era necessário o empenho de considerável esforço, estamos falando de 1988, quando todos os processos eram físicos, para ter acesso às decisões judiciais era necessário deslocar-se até os fóruns das comarcas e rezar para achar uma máquina de fotocópia, ou contentar-se com as anotações em surradas fichas.
A Lei considerou esta realidade quando impôs a publicidade dos atos processuais como regra, admitindo expressas exceções.
A realidade, como teima em acontecer, alterou-se. Hoje os processos são quase que 100% virtuais, e o acesso se dá através da rede de internet, desde qualquer lugar do país, ou do mundo, em troca de poucos cliques.
Se por um lado o acesso e controle social das decisões judiciais ficou ao alcance de muito mais pessoas, fato louvável para a Democracia, não se pode negar que o acesso a dados pessoais de milhões de pessoas e empresas, que não interessam a ninguém bem-intencionado, também ficaram muito mais vulneráveis.
Resultado disto é a enxurrada de casos de abuso do uso destas informações, inclusive com o já famoso golpe do falso advogado, em que criminosos, tendo amplo e irrestrito acesso aos atos processuais, ludibriam as vítimas causando prejuízos enormes.
Nos deparamos aqui diante de mais uma encruzilhada. Como respeitar a garantia fundamental da publicidade dos atos judiciais, sem esquecer da proteção dos dados pessoais dos cidadãos ali exibidos.
Esta é uma missão para o legislador resolver, sobretudo por se tratar de conflito entre garantias fundamentais, protegidas pela Constituição Federal.
Mas me parece que o início do caminhar para esta solução é compreender qual o bem jurídico protegido, e que no caso da publicidade dos atos judiciais, o que realmente importa são os atos dos magistrados e promotores, e que, limitando-se a publicidade a tais atos, muitos dados sensíveis dos cidadãos restariam salvaguardados.
A contenda trará outras questões a serem debatidas, mas o que não dá mais é pra aguentar o tsunami de tentativas de golpes utilizando-se os dados dos processos judiciais de maneira passiva.
*Mario Medeiros Neto é advogado.
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