COLUNA

Francisca Medeiros

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Bilhões que viraram cinzas

Foto: Anex Mídia

O que é possível fazer com 14,7 bilhões de reais? A grandeza na casa dos bilhões é pouco concreta para a maioria de nós que lidamos com dinheiro curto, então vai um dado: a Transposição do Rio São Francisco custou R$ 14 bilhões com obras feitas em quatro estados do semiárido nordestino entre os anos de 2007 e 2022. Bem, este é o tamanho do prejuízo estimado que a atual temporada de incêndios florestais trouxe ao campo no país.

Elaborado pela Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), esse levantamento é parcial porque cobre apenas as atividades da pecuária de corte, cana-de-açúcar e qualidade do solo. Deixou de fora outros prejuízos, como perdas de maquinário, de produtividade e gastos para a renovação das áreas afetadas.

E há danos de difícil quantificação, mas que são da maior importância, como o empobrecimento da biodiversidade e o sofrimento de pessoas e animais. Como colocar preço nas vidas das pessoas que ficaram doentes por respirar fumaça envenenada, nas que se feriram e até morreram lutando contra o fogo?

O cálculo da CNA mostra que as perdas somam R$ 2,3 bilhões em Mato Grosso – um montante que daria para colocar de pé seis hospitais, oito escolas técnicas estaduais e um estádio do porte da Arena Pantanal, entre outras obras. É uma montanha de dinheiro que virou cinza. Uma catástrofe de animais mortos, produções e infraestruturas carbonizadas e que deixa o solo mais pobre, com menos vida.

Antes de avançar, listo as obras públicas, com dados de fontes oficiais, que caberiam no hipotético orçamento de R$ 2,3 bilhões:  em Cuiabá, o Hospital Central (R$ 215,3 milhões na obra), o novo Hospital Júlio Müller (R$ 222,1 milhões) e o HMC (R$ 180 milhões). No interior, os hospitais regionais de Alta Floresta (R$ 144,3 milhões), de Juína (R$ 125,5 milhões), do Araguaia, em Confresa (R$ 129,2 milhões) e de Tangará da Serra (R$ 127,5 milhões). Mais oito escolas técnicas estaduais (ETEs), quatro entregues e outras quatro em obra, a um custo total de R$ 103 milhões. Caberia ainda a Arena Pantanal, com gasto de R$ 454 milhões, e o BRT (R$ 480 milhões) e sobraria dinheiro para, por exemplo, duplicar uns 25 quilômetros da BR-163.

Para chegar à estimativa de 2,8 milhões de hectares afetados entre junho e agosto no país, a CNA usou as informações das áreas queimadas de culturas agrícolas apontadas em levantamentos do MapBiomas e em áreas de pastagens indicadas pelo Laboratório de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Goiás, em sobreposição com as áreas queimadas indicadas pelo Inpe. Tudo oficial e dentro da melhor técnica.

Na soma de R$ 14,7 bilhões foram estimados os custos para repor a matéria orgânica de toda a área queimada, as perdas na cana ainda não colhida, a queda de produtividade do rebanho por causa da redução de pasto, perdas de cercas nas fazendas e do fósforo e potássio nas camadas superficiais do solo, nutrientes  essenciais para o desenvolvimento das plantas.

As perdas com o fogo sem controle não atingem um segmento produtivo apenas, elas são divididas por toda a sociedade, com peso maior para os mais vulneráveis. Na tentativa de aumentar a punição a quem provoca incêndios – várias pessoas foram flagradas fazendo isso – o governo federal baixou há dez dias o Decreto 12.189 com sanções mais rigorosas e multas mais altas. A multa varia de R$ 5 mil/hectare se o fogo atingir a floresta cultivada e R$ 10 mil/ hectare se for em vegetação nativa.

A Aprosoja Brasil reagiu à medida e, em nota, disse que os produtores rurais estão sendo “duplamente penalizados” pela destruição em si causada pelo fogo e pelo decreto que a entidade considera “absurdo porque as multas previstas são aplicadas independentemente de o produtor ser responsável ou não por causar os incêndios”. E vai tentar reverter no Congresso Nacional estes pontos. A Aprosoja Brasil reclama ainda da falta de diálogo com o governo federal, especialmente com o Ministério do Meio Ambiente.

Na semana passada o governo federal divulgou que foram aplicadas duas multas no valor de R$ 100 milhões a proprietários de uma fazenda localizada em Corumbá (MS), onde começou o incêndio que atingiu outros 135 imóveis rurais, totalizando a destruição de 333 mil hectares no Pantanal. Este incêndio levou 110 dias para ser controlado pelo Prevfogo.

E, já com base na Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, instituída em julho deste ano, o Ibama começou uma série de notificações preventivas a proprietários rurais para exigir a adoção de medidas de prevenção e controle de incêndios em áreas agropecuárias. Além de orientar, alerta sobre as novas sanções em vigor.

Diante do agravamento da crise climática, o fogo sem controle é um risco real que provoca danos de várias naturezas. Falamos aqui de (muito) dinheiro, mas há perdas definitivas e que não podem ser precificadas.

Somente aqui em Mato Grosso, três famílias sabem, e da pior forma possível, o que isso significa. São as famílias de Uellinton dos Santos, de 39 anos, o brigadista do Ibama que morreu tentando apagar o fogo numa reserva indígena no Xingu, assim com a de Paulo Henrique Pereira Souza, de 39 anos, que perdeu a vida precocemente quando tentava controlar as chamas que atingiram um caminhão-pipa numa fazenda em Itiquira. O médico legista e perito da Politec, José Correia de Oliveira Neto, de 67 anos, é a vítima mais recente do fogo que atingiu a sua fazenda em Nova Monte Verde. Além da solidariedade e condolências às famílias, o que se espera, até em respeito à memória deles, é que ninguém mais seja vítima de incêndios florestais, que devem ser prevenidos e combatidos com o máximo de seriedade e responsabilidade neste cenário de emergência climática em que vivemos.

 

*Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte.

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