Carrego seu coração comigo, José

Arte: Candy Haesbaert
Hoje, 30 de abril, completa um ano que o meu marido José Luiz se transformou em luz. Ano passado, nesse dia, por volta das 3h, eu dormia quando senti a mão de minha filha Bianca passando pelo meu rosto, me chamando bem baixinho – ‘mãe, mãe’. Despertei com a continuidade do gesto dela e o convite que me fez – ‘vamos’? ela disse. Bastou isso para nos abraçar e chorarmos juntas.
Em verdade, o chamamento de Bianca naquela madrugada foi a senha para eu entender que algo fatídico havia acontecido no hospital onde José estava internado em estado grave. E assim foi – meu marido não resistiu às sequelas do incidente (engasgo) que havia sofrido dias antes. O que sucedeu, para mim, após essa fatalidade, foram o luto e o passar de um ano radicalmente distinto daquele que vivi por cerca de 50 anos.
Li em algum lugar que ninguém pode entender realmente o amor até viver uma vida com alguém. Na perspectiva de casamento, concordo. Eu e José, com nossos dois filhos, vivemos uma união de muitas alegrias, de dificuldades também, além dos desafios do dia a dia. Mais ainda – parte dessa trajetória de casal passamos machucados pela perda precoce de um de nossos filhos, o Bruno, aos 17 anos.
Porém, o que poderia nos fragilizar, a dor de pais que passamos, acabou por nos juntar mais, graças ao que chamo de ‘equilíbrio emocional’ e bem-querer. Solidários um com o outro, eu e José conseguimos seguir em frente. Em todo tempo passado desde a morte de Bruno, meu filho vive acomodado no meu coração, do mesmo jeito, tenho certeza, que morava também no coração de José.
Muito abalada com essa peça que o destino me apresentou, fazendo com que Bruno e José fossem para a eternidade na minha frente, fico à espera da minha hora. Não tenho outra opção. Se me perguntam como estou indo por aqui, sem José, não tenho resposta pronta. Só sei que sinto demais a falta dele, que morro de saudade todos os dias e que agora vivo carregando seu coração no meu coração.
Levo-o por todo lugar que vou, seja a trabalho ou diversão. Devo confessar que uso isso para disfarçar a tristeza e inspirada no poema do norte-americano E. E. Cummings – I carry your heart with me (Eu levo o seu coração comigo) que começa assim – “Carrego seu coração comigo. Eu o carrego no meu coração. Nunca estou sem ele. Onde eu for, você vai”.
Não me conformei ainda com a ausência física de José, nem com a falta diária de sua dedicação e afeto. Agora há horas solitárias no lugar em que havia conversa e companhia em todos os instantes, seja assistindo telejornais ou bebendo um chopp bem gelado nas noites das sextas-feiras, acompanhado de batatas fritas. Eram coisas pontuais do nosso mundo, do nosso cotidiano bem cuidado, bem encaminhado.
Tem uma frase do Papa Francisco – “Ser feliz não é só apreciar o sorriso, mas também refletir sobre a tristeza” – que me faz meditar e acalmar quando penso no que vem pela frente. Às vezes combino a frase com a leitura do livro Para não esquecer, de Clarice Lispector, de onde escolho frases, entre elas – “Cada vez mais acho tudo uma questão de paciência, de amor criando paciência, de paciência criando amor”.
Nessa forma como as coisas vão continuando recorro-me ainda à leitura de outro poema – A Vida Verdadeira, de Thiago de Mello – para avisar aos parentes e amigos que “não, não tenho caminho novo, o que tenho de novo é o jeito de caminhar”. Expressa muito sobre como me sinto agora, ou seja, a Sônia sem José não mudou, a essência é a mesma, mas o jeito de Sônia ver a vida sem José foi modificada sim.
Além disso, no meio desta nova realidade marcada pela perda, surgiu, com o passar do primeiro ano da morte de José, uma constatação admirável e profundamente importante para mim, que foi o cuidado e a solidariedade dos familiares e amigos. Toda essa manifestação de estima e consideração foi extensiva à minha filha Bianca, que sofreu muito a perda do pai, tendo em vista o carinho que ambos cultivavam.
Um texto que li atribuído ao escritor Ernest Hemingway diz o seguinte: “Nos nossos momentos mais sombrios, não precisamos de soluções, nem de conselhos. O que realmente desejamos é a conexão humana: uma presença silenciosa, um toque que fala mais do que palavras. São esses pequenos gestos que nos mantêm à tona quando a vida parece nos esmagar.”
Sim, são simples acenos e sentimentos espontâneos, de proximidade e atenção, que confortam por demais. Muito obrigada a todos vocês, parentes, amigos, conhecidos, colegas e as pessoas que querem o meu bem e o bem da minha filha Bianca, que nos confortaram (e ainda confortam) pela partida de José.
Tenham certeza de que ele gostava de vocês e de que viveu uma vida feliz ao nosso lado.
Grata a todos!
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