COLUNA

Francisca Medeiros

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COP das contradições 

A Conferência do Clima da ONU (COP 28) termina amanhã, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Em número de países participantes, 200, foi a maior até agora. Joe Biden, dos EUA, e Xi Jinping, da China, líderes dos países mais poluidores do mundo, não foram. No fechamento da cúpula, o que o documento vai trazer? Provavelmente compromissos mais tímidos do que a urgência climática exige.

Este documento, o Global Stocktake (GST), deve conter o balanço do que já foi feito para frear o aquecimento global desde 2015, quando foi firmado o Acordo de Paris, e também as ações para evitar que a temperatura do planeta suba além de 1,5 °C comparado à era pré-industrial. 

O maior xis da questão é a eliminação dos combustíveis fósseis. Arábia Saudita não quer nem ouvir falar essa palavra. E o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, disse que acredita que a empresa será uma das últimas do mundo a deixar de explorar petróleo.

Durante o evento, o Brasil recebeu convite para ingressar na Opep + (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados). Representantes do governo brasileiro têm dito que a estratégia, no caso de ingresso, será convencer os países produtores a acelerar a transição energética e que usem o dinheiro do petróleo para financiar energias limpas e renováveis.

Muitos críticos estão chamando o evento de “COP do Petróleo”. O país sede é um dos maiores produtores de petróleo do mundo e o presidente da cúpula, Sultan al Jaber, é o CEO da maior companhia petrolífera dos EAU, a estatal Adnoc. E é ele também quem preside a empresa de energia renovável, Masdar, criada pelo governo e que atua em mais de 40 países.  

Al Jaber, segundo o jornal britânico The Guardian, disse, há um mês, que “não há ciência” que sinalize que seja necessária a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis para conter o aquecimento global. E que o desenvolvimento sustentável não pode levar o mundo de “volta às cavernas”. 

Qualquer forma de negacionismo não ajuda. Para ficar só no agro, as mudanças climáticas têm mexido com o cenário da agropecuária global. No Brasil, as chuvas inconstantes e o calor extremo embaralham o calendário e comprometem a evolução das lavouras. Ora pelo excesso, ora pela falta. 

A Conab estima que a próxima safra nacional de grãos e fibras seja 2,4% inferior à passada. Na pecuária, o gado se ressente da exposição ao calor e com a piora das pastagens. E qualquer perda de produtividade mexe com os preços dos alimentos e com a inflação, alcançando toda a sociedade.

Ponto de não retorno, tecnicamente, é o momento no qual as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global não poderão mais ser revertidas. Um forte alerta de que estamos muito perto de atingir cinco destes pontos veio, no início deste mês, de um estudo da Universidade de Exeter, no Reino Unido, financiado pelo Fundo Bezos Earth. “São uma ameaça para a humanidade de uma magnitude sem precedentes”, resumiu Tim Lenton, coordenador do relatório.

A pesquisa mostra, por exemplo, o aumento da probabilidade de eventos como o colapso de corais de águas quentes e o derretimento de grandes porções de gelo no Ártico e na Antártida. 

Na Amazônia, entre as consequências do desmatamento estão a diminuição das chuvas e as secas mais longas. Ultrapassando o limiar crítico, a floresta pode não conseguir mais se regenerar, deixa de armazenar carbono e pode passar à condição de emissora, intensificando o aquecimento global e as perdas de ecossistemas inteiros. E não é difícil imaginar o efeito cascata de tudo isso.

De concreto, no primeiro dia desta COP foi anunciada a destinação de US$ 420 milhões para o Fundo de Perdas e Danos, criado na COP 27 para dar suporte a países afetados pelo aquecimento global. São recursos da União Europeia, Emirados Árabes e Estados Unidos. 

E os Estados Unidos anunciaram a contribuição com US$ 3 bilhões para o Fundo Verde para o Clima, que é uma iniciativa global criada pela ONU. Os recursos servirão para que países em desenvolvimento invistam em energia limpa e outras soluções ambientalmente sustentáveis. 

Da parte do Brasil, o compromisso público do governo é chegar ao desmatamento zero em todos os biomas até 2030. E durante a COP o presidente Lula cobrou o auxílio financeiro de países ricos que “nunca chega”. No Acordo de Paris a promessa foi de os países desenvolvidos contribuírem com US$ 100 bilhões ao ano a partir de 2020, o que, nem de longe, ainda foi cumprido.

Outro compromisso brasileiro é a redução, até 2030, em 43% a emissão de gases de efeito estufa, entre eles o dióxido de carbono. Isso em relação a 2005. 

Jornalistas que cobrem a COP relatam que nos rascunhos do documento final uma das questões-chave é o progresso na definição de metas para a adaptação a um mundo mais quente. Entre os compromissos voluntários está o acesso universal à água potável até 2030 e a agricultura sustentável.

Quanto aos combustíveis fósseis, a coisa é tão acirrada que há quem defenda abandonar qualquer referência à energia suja, e outros, mais otimistas, que pedem a eliminação progressiva, alinhada com a “melhor ciência possível”.

Vamos saber nesta terça-feira como estas contradições e ambiguidades foram acomodadas no Global Stocktake. Não há nenhuma instância internacional que obrigue o cumprimento do acordo, já que a ONU não tem poder supranacional, não está acima dos estados soberanos. É negócio de fio do bigode entre os signatários. Mas na tradição humana, isso tem valor moral, acima de qualquer papel assinado. 

Seria tão bom sermos agradavelmente surpreendidos, Papai Noel!

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