COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

Banner
Banner

Cuiabá e os amigos de copo de bar

Em algum momento uma pessoa disse que Cuiabá é uma cidade onde sobram bares e faltam opções culturais. Noutro instante alguém afirmou que em Cuiabá são abertos mais bares que farmácias. Tempinho atrás um cidadão garantiu que, em bairros de Cuiabá, os bares estão perdendo espaço para as igrejas evangélicas. Tais suposições sobre o bar, boteco, botequim ou pé sujo, seja qual for o nome atribuído pelo frequentador a esse ambiente, correm soltas na cidade que, sem dúvida, é famosa pelas noites calorosas e animadas vividas em bares do passado e do presente.

O calor e a hospitalidade do cuiabano são fatores que contribuem para essa imagem mais de ‘profana’ que ‘sagrada’ de Cuiabá, nessa perspectiva de que há bares por todo canto da cidade. A despeito da quantidade que possui, o fato é que os bares estão incorporados ao cotidiano da capital. Seja como ponto de consumo de bebidas (cerveja principalmente), ou como reduto de encontro de boêmios e intelectuais, os bares fazem parte da memória social de Cuiabá, sendo que dois deles, do século passado, sobressaem: o Bar Moderno (Bar do Bugre) e o Bar Internacional.
Evaldo de Barros, procurador de justiça aposentado, jornalista e profundo conhecedor dos personagens e do cotidiano cuiabano, conta que o Bar do Bugre, nos anos 1950 e 1960, atraía clientela no período diurno. Na hora do almoço, o cliente passava por lá e consumia um aperitivo, ou seja, as passagens no Bar do Bugre, localizado na esquina da avenida Getúlio Vargas com a Pedro Celestino, eram rápidas e os assuntos das conversas eram aleatórios. O carro-chefe do bar eram os salgadinhos. Entre seus clientes estava o ex-governador João Ponce de Arruda.

Já o Internacional, nos anos 1970, era reduto da boemia, seus frequentadores marcavam ponto todas as noites, consumindo cuba libre ou whisky, além da cerveja. A prosa era de qualidade e os assuntos políticos dominavam as conversas. “Imagine juntos batendo papo o médico Paulo Epaminondas, os advogados Arídio Fonseca, Clóvis Cardoso e Silva Freire, o historiador Rubens de Mendonça e conselheiros e deputados estaduais, relembra Evaldo, ao citar os frequentadores do Internacional. O bar não tinha sede própria, funcionava no térreo do antigo IAPETEC, na Getúlio Vargas.

Nos anos 1980 abro um espaço para falar do Bar do Ceará, um pé sujo de uma porta, localizado na rua 13 de Junho, ao lado de uma loja de autopeças e da maçonaria, antes do cruzamento com a avenida Dom Bosco. Vendia bebida e salgados e juntava repórteres, fotógrafos, chargistas e diagramadores, no final da tarde, para beber e trocar informações. José Calixto de Alencar, Nelson Severino, Vasconcelos Quadros, Salvio Jaques Carvalho, Magno Jorge, Lucio Cesar Tadeu, Tinho Costa Marques, João Negrão, Mário Hashimoto, Ailton Segura e Jairo Sant’ana são alguns profissionais da imprensa cuiabana com passagens pelo Bar do Ceará.

A maioria deles (peço desculpas se faltou algum colega) formava a Cooperativa de Jornalistas e Técnicos Gráficos de Mato Grosso (Coorepórter), cuja sede funcionava no casarão da família do Calixto situada em frente ao bar, conta Mário Hashimoto. O Coorepórter surgiu, na época, para apoiar os jornalistas que estavam vindo de outros estados para Cuiabá sem emprego e sem lugar para morar. Desse modo, o Bar do Ceará acabou virando o point dos jornalistas, por volta de 1983, justamente pela sua localização em frente à Cooperativa. Bastava atravessar a rua, lembra Hashimoto.

“O Bar do Ceará era um verdadeiro Clube do Bolinha, mas marcou uma época de ouro, pois trabalhávamos em mídias diferentes sem rivalidade nem disputa”, completa. Nos anos 1990, o Cuiabaninho, na avenida Mato Grosso, o Ninho, no Pico do Amor, e o Bar do Léo e o Money, no Boa Esperança, foram botecos redutos de conversas e encontros, já incluindo os universitários. De seu lado, Evaldo menciona o Choppão, um dos mais antigos bares cuiabanos em funcionamento, para pontuar que, atualmente, o consumidor, junto com amigos numa mesa, tem comanda individualizando seu consumo de bebida, o contrário de antes.

Ele diz que no Internacional de antigamente, “a pessoa sentada à mesa do bar, usufruindo a companhia dos demais, era obrigada a dividir a conta igualmente, não interessando se tomou só um refrigerante e seu colega do lado bebeu 10 doses de cuba libre. “Quanto vale o papo?”, indaga Evaldo, respondendo que a pessoa, apesar de consumir pouco, saía de lá bem-informado, sabendo as novidades da cidade, portanto, a divisão da conta de forma igualitária era correta. Retornando ao Choppão, seus frequentadores históricos – Ramis Bucair, Renato Pimenta, José Paes Bicudo, Ditinho Cigano, além de Silva Freire – estão na escultura “Mesa da Boemia”, que os homenageia, instalada hoje em frente ao bar.

Pois é, não importa o tempo, a clientela, nem a forma de pagamento, numa mesa de bar é onde “se toma um porre de liberdade” e é onde se encontram “companheiros em pleno exercício de democracia”, canta Zeca Pagodinho na música de sua autoria Mesa de Bar. Quem aí gosta de um bar? Já me perdi na quantidade de anos que eu e meu marido vamos a um bar sempre às sextas-feiras, acompanhados ou não de amigos de copo, jornalistas ou não, para beber uma (ou umas) cervejinha bem gelada e abrandar o calor.

Quanto àquelas especulações que citei no começo, fui apurar: de janeiro a novembro deste ano, em Cuiabá, foram abertos 250 bares (a maioria MEI, segundo a Junta Comercial do Estado de Mato Grosso), criadas 52 farmácias, das quais 47 ativas (de acordo também com a Junta), e constituídas 18 igrejas, segundo a Associação dos Notários e Registradores de Mato Grosso (Anoreg).

Ufa, tudo certo, aparentemente seguindo na normalidade. Tim-tim, saúde para todos nós!

Compartilhe

Assine o eh fonte

Tudo o que é essencial para estar bem-informado, de forma objetiva, concisa e confiável.

Comece agora mesmo sua assinatura básica e gratuita: