COLUNA

Francisca Medeiros

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Ecoansiedade, um mal do nosso tempo

A face visível dos desastres ambientais é a lama, os escombros, os animais mortos – ora afogados, ora por sede -, as pessoas extenuadas enfrentando a força das águas, a seca, o frio ou o calor extremos. Outro lado menos óbvio são os sentimentos de quem está envolvido por dentro ou que acompanha estas ocorrências, cada vez mais intensas e frequentes. Ecoansiedade, um neologismo que já está nos dicionários, traduz bem este sofrimento dos nossos tempos.

Em 2021, o termo ‘eco-anxiety’ foi adicionado ao dicionário Oxford e, em português, ‘ecoansiedade’ já faz parte da versão 2023-2024 do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) da Academia Brasileira de Letras.

A psicologia é quem primeiro deu atenção ao problema. Em 2017, a Associação Americana de Psicologia (APA, em inglês) definiu a nova expressão como sendo “o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas, gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras”.

Em português, as buscas no Google sobre ‘ansiedade climática’ aumentaram 73 vezes em cinco anos. Também chamado de ansiedade climática ou ecológica, este sentimento (ou conjunto de) afeta mais as crianças e os jovens, revelam estudos feitos em diferentes partes do mundo.

Um deles, liderado pela Universidade de Bath, da Inglaterra, mostrou que o tema é central na agenda da juventude mundial. Em 2021, foram entrevistados 10 mil adolescentes e jovens entre 16 e 25 anos de dez países, com o Brasil incluído. Quase 60% se disseram muito preocupados com as mudanças climáticas; 75% achavam o futuro assustador e 83% consideravam que os governos falharam no enfrentamento ao aquecimento global. O governo brasileiro, à época liderado por Jair Bolsonaro, teve a pior avaliação no que se referia a ouvir os jovens.

Um relatório do MIT com sobreviventes do furacão Katrina de 2005 nos EUA mostrou que as vítimas de um desastre natural têm 4% mais chances de sofrer com alguma doença mental, além de manifestar quadros de estresse pós-traumático.

Para os especialistas em saúde mental, a ansiedade ambiental não é uma condição clínica e, portanto, não é diagnosticável ou tem um tratamento específico. Eles alertam que o sofrimento é real, com causas reais e que deve ser acolhido pelos profissionais, família e sociedade.

Os sintomas físicos vão de alergias à alteração do nível de atividade (prostração ou excitação). Os mentais incluem estresse, aflição, sentimento de perda, distúrbios do sono. A sensação de asfixia e a depressão aparecem em casos mais graves e as relações sociais podem ficar mais tensas.

Em um mundo de incertezas, falta perspectiva de futuro aos jovens, as coisas parecem ter se tornado líquidas, nada permanece. É compreensível que eles alternem sentimentos de raiva de quem não fez o certo e de culpa e impotência diante da situação do planeta.

Há quem nem queira gerar filhos diante das interrogações sobre o amanhã. Na mesma pesquisa citada anteriormente, mais de 40% dos entrevistados no Brasil, Austrália, Índia e Filipinas disseram que as mudanças climáticas fizeram com que ficassem mais hesitantes em ter filhos.

A eco-ansiedade também pode levar ao rigor do julgamento das gerações anteriores pelos mais jovens. Surgem questionamentos diante das ondas de calor, incêndios florestais, inundações, do acúmulo de lixo nos oceanos, da perda de biodiversidade. Será que foi feito o suficiente para evitar tanto estrago?

A desconfiança entre gerações não é novidade. Jovens mais bem informados e conscientes da gravidade da crise revivem, em algum grau, a descrença da moçada dos anos 1960 que reproduzia, com convicção, a frase ‘Não confie em ninguém com mais de 30’. À época, muitos tomaram para si o protagonismo das mudanças políticas e sociais que defendiam e, agora, décadas depois, se veem também confrontados por filhos e netos.

(Em tempo: o crédito da frase memorável é do ativista político e ambientalista americano, Jack Weinbergh, numa resposta a um jornalista durante uma entrevista).

É verdade que têm sido devastadores para o meio ambiente a omissão de governos, a apatia da sociedade civil e a indiferença de empresas e corporações. Mas, em meio ao incômodo, desconforto e desesperança, é possível encontrar espaço para ações positivas, sejam individuais ou coletivas.

Há um ramo da psicologia, a ecopsicologia, que ajuda a entender que o ser humano e a natureza não são entes separados e que há como  melhorar a relação psíquica com a natureza.

Para lidar melhor com a eco-ansiedade, a psicoterapeuta da Universidade de Bath, Caroline Hickman, em entrevista à BBC News Brasil, sugeriu que se busque fazer parte de grupos que pensem de forma parecida para ter com quem compartilhar sentimentos e pensamentos.

Outra recomendação é não negar a ansiedade, mas tentar reformulá-la em ‘eco-cuidado, eco-coragem e eco-conexão’. E reforça que se importar deve ser motivo de orgulho.

O inconformismo legítimo pode levar à ação, canalizando energia que motiva e impulsiona diversas formas de ativismo, seja em nível micro ou mais abrangente. Sem deixar, claro, de exigir que todos os responsáveis por cuidar deste planeta único e insubstituível que o trabalho seja bem feito em nome dos que aqui estão e dos que virão.

*  Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte

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