MP de Mato Grosso publica salário 100 vezes maior e escancara distorções

Foto: MPE-MT
Por Adriana Mendes e Cauê Kalmus
Os supersalários do Ministério Público destoam do funcionalismo em geral. A distorção ficou ainda mais gritante com a publicação de todos os salários errados na casa dos milhões em Mato Grosso. Um caso chamou atenção: um procurador teve sua remuneração divulgada com valor de R$ 36 milhões no mês de maio de 2025. O valor correto é de R$ 361,3 mil, ainda assim oito vezes acima do teto do funcionalismo público, hoje fixado em R$ 46,3 mil, salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os dados no site mostravam não apenas salários de procuradores e promotores com erro, mas também dos servidores em geral. Já as tabelas dos aposentados e inativos estavam corretas. Os dados incorretos estavam sendo divulgados há meses, segundo fontes do próprio MP. Só foram corrigidos após serem questionados pelo erro.
O salário de R$ 361,3 mil foi pago em maio ao procurador José Norberto de Medeiros Júnior, da 1ª Promotoria de Justiça, que pediu aposentadoria no mês passado. No mês de fevereiro, o então chefe do MPMT Deosdete Cruz Júnior recebeu R$ 206 mil. No final daquele mês, ele foi nomeado desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) pelo governador Mauro Mendes (União).
O MPMT informou que os valores referentes a José Norberto de Medeiros Júnior e Deosdete Cruz Júnior decorrem do desligamento de ambos da instituição, que “passaram a receber os passivos trabalhistas acumulados ao longo de suas carreiras, conforme previsto na legislação vigente”. Já quanto aos “demais membros mencionados, seus vencimentos foram compostos por direitos trabalhistas legais, como férias e 13º salário, que, no âmbito do MPMT, são pagos ao longo do ano”.
Dados errados ferem a lei
A divulgação de dados errados é uma violação à Lei de Acesso à Informação (LAI), que prevê que os órgãos públicos devem “garantir a autenticidade e a integridade das informações disponíveis para acesso”.
Marina Atoji, diretora de programas da ONG Transparência Brasil, destaca que o erro compromete o controle social. “Se você não tem números precisos você não tem um controle social preciso, e não é possível verificar as informações. Se a própria fonte oficial dá informações erradas, o controle social fica prejudicado”, afirmou.
Uma outra questão é a omissão dos nomes na divulgação dos salários. No caso de Mato Grosso, o MP divulga apenas a matrícula e o cargo. A prática de esconder a remuneração nominal dos agentes públicos também é adotada em Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
“A Lei de Acesso à Informação diz textualmente que a divulgação das remunerações tem que ser individualizada e nominal. Então, é obrigatório o nome”, reforça Atoji. Segundo ela, foi feita uma denúncia à Ouvidoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) pelo descumprimento da regra na divulgação dos contracheques de promotores e procuradores. A resposta, no entanto, foi que os MPs não estariam cometendo nenhuma ilegalidade ao omitir os nomes. Procurado, o CNMP não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem.
Um erro decimal no sistema de publicação causou a divulgação equivocada de salários no MPMT. A subprocuradora-geral de Justiça Administrativa, Januária Dorilêo, confirmou a falha. “A inconsistência foi prontamente identificada pela nossa equipe, e as providências necessárias para a correção já foram adotadas’, afirmou após ser comunicada do erro.
No caso da identificação, a subprocuradora justificou que a “consulta nominal pode ser realizada por meio da matrícula informada, assegurando a individualização exigida pela legislação”. No entanto, a omissão do nome na planilha é um dificultador, já que é preciso cruzar os dados porque não existe uma lista específica com as matrículas. Na avaliação de especialistas em transparência, o nome não é um dado sensível, protegido, e a divulgação não viola nenhum dispositivo da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), nem da própria LAI.
Salários acima do teto
Os salários acima do teto constitucional – atualmente fixado em R$ 46,3 mil, equivalente à remuneração de um ministro do STF – têm se tornado cada vez mais frequentes e com valores elevados. Nos cinco primeiros meses de 2025, as maiores remunerações no MP estadual foram pagas ao promotor Fabrício Miranda Mereb, que recebeu R$ 578,3 mil, enquanto o procurador Marcelo Ferra de Carvalho, da 19ª Procuradoria de Justiça de Cuiabá, recebeu R$ 559 mil.
Mereb responde pela promotoria de duas cidades do interior, Campinápolis e Novo São Joaquim, acumulando também as coordenações administrativas. Campinápolis, uma cidade de 15 mil habitantes, fica a 465 km da capital.
A assessoria justificou que os “vencimentos foram compostos por direitos trabalhistas legais, como férias e 13º salário, que, no âmbito do MPMT, são pagos ao longo do ano”.
“Tirei férias em fevereiro e abril, vendendo parte delas. Então neste valor está incluído isso”, argumentou o procurador Marcelo Ferra. O promotor Fabrício Miranda Mereb também foi procurado, mas não se manifestou.
Compartilhe
Assine o eh fonte
Tudo o que é essencial para estar bem-informado, de forma objetiva, concisa e confiável.
Comece agora mesmo sua assinatura básica e gratuita: