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Se o governador de MT sancionar ‘PL do Veneno’ será ‘irresponsabilidade”, alerta médico

Foto: MST MT

O avanço do chamado “PL do Veneno” em Mato Grosso é um dos destaques da plataforma Sumaúma, em uma entrevista com o médico e pesquisador Wanderlei Pignati, da UFMT, referência nacional nos estudos sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente. O projeto de lei, aprovado na Assembleia Legislativa (ALMT), em março, reduz as distâncias mínimas de segurança para pulverização de agrotóxicos – e agora aguarda sanção ou veto do governador Mauro Mendes (União).

Apresentado pelo deputado Gilberto Cattani (PL), o projeto altera a legislação estadual que regulamenta o uso de agrotóxicos, permitindo a pulverização a distâncias muito menores de casas, nascentes e áreas de criação de animais. Para pequenas propriedades rurais, a nova regra elimina a exigência de qualquer distância mínima, liberando a aplicação até a beira das moradias. Para propriedades médias, a distância mínima seria de 25 metros, e para grandes propriedades, 90 metros. Segundo afirmou a assessoria do governador à reportagem, o projeto está no momento sob análise da Procuradoria-Geral do Estado.

A mudança, na avaliação do pesquisador, representa um retrocesso em relação à legislação atual, que determina distâncias mínimas de 90 metros, embora haja disputa judicial para o retorno ao parâmetro anterior de 300 metros. Para Pignati, caso o governador sancione o projeto será “um ato de extrema irresponsabilidade”.

“Os impactos, que são graves, vão aumentar. Com esse projeto, agora [podem] pulverizar até o seu pé, se você botar o pé fora da sua casa”, criticou Pignati, ao alertar para o aumento do risco de contaminação direta de moradores de áreas rurais.

Mato Grosso, líder na produção de commodidites como soja e milho, lidera o ranking nacional no consumo de agrotóxicos, de acordo com dados do Ibama. Produtos como glifosato, mancozebe, acefato, clorotalonil, 2,4-D e atrazina – alguns já proibidos ou severamente restritos em outros países – são amplamente utilizados nas lavouras de soja, milho e algodão. O estado abriga 36 das 100 cidades mais ricas do agronegócio brasileiro, mas também enfrenta índices alarmantes de doenças relacionadas à exposição química.

Conforme dados citados por Pignati, enquanto a média nacional de malformações congênitas é de quatro casos para cada mil nascidos vivos, Mato Grosso registra 14 casos – e, em algumas regiões produtoras, o índice chega a 30 ou até 37. “É um estado rico mas pobre, porque tem muita doença”, resumiu o pesquisador.

Pesquisa ameaçada e resistência do agronegócio

Na entrevista à Sumaúma. Pignatti também destaca as dificuldades enfrentadas para a realização de pesquisas que envolvam análise de resíduos de agrotóxicos na população. O médico relembrou a repercussão nacional de um estudo conduzido em Lucas do Rio Verde, que identificou agrotóxicos no leite materno de mulheres residentes no município.

O impacto do trabalho provocou forte reação do setor agropecuário e de fabricantes de agrotóxicos, que passaram a questionar a metodologia científica e a exigir acesso irrestrito aos dados brutos da pesquisa. “Ciência não funciona assim. Publicamos o método para ser aprimorado. Se refizessem [a pesquisa], se surpreenderiam com a quantidade de agrotóxicos encontrados”, afirmou.

Apesar das resistências, novos estudos estão em andamento, em parceria com universidades nacionais e internacionais, para avaliar a presença de agrotóxicos, metais pesados e microplásticos no leite materno e em fontes de água, especialmente em territórios indígenas e regiões de fronteira agrícola.

PL fragiliza fiscalização e expõe populações vulneráveis

Segundo Pignati, o “PL do Veneno” fragiliza ainda mais a fiscalização e abre caminho para a legalização da pulverização indiscriminada, especialmente em pequenas propriedades, que representam a maioria das propriedades rurais do estado. “Não haverá nem necessidade de fiscalização nas pequenas propriedades, pois estará tudo permitido”, advertiu.

O médico explicou que estudos realizados em municípios como Sapezal e Campo Novo do Parecis já indicaram que residências situadas a menos de 90 metros de lavouras apresentam incidência três vezes maior de doenças como intoxicação aguda, câncer infantojuvenil, abortos espontâneos e diabetes. “Se o governador sancionar essa lei, será um ato de extrema irresponsabilidade”, disse.

A ausência de distância mínima entre áreas pulverizadas e casas aumenta também o risco de contaminação das fontes de água, dos animais domésticos e das criações, com efeitos cumulativos sobre a saúde humana e o meio ambiente.

Reação da sociedade civil

“Se o governador assinar esse projeto de lei, será um ato de extrema irresponsabilidade. Em nenhum local do mundo se adota zero de distância mínima para aplicação de agrotóxico. Isso permitiria pulverissação até a beira das casas. É um absurdo”, alerta.

A aprovação do projeto gerou reação imediata de organizações ambientais, conselhos de saúde, universidades e Ministério Público. Entidades locais e internacionais encaminharam manifestações solicitando o veto ao governador Mauro Mendes. “Estamos mobilizados e pressionando para que o governador não sancione essa lei”, relatou.

Entre as preocupações estão a violação do direito à saúde, a ameaça à segurança alimentar e a possível intensificação da degradação ambiental em áreas já vulneráveis, como o Pantanal e o Cerrado.

Um modelo insustentável

Na avaliação do pesquisador, o atual modelo agrícola baseado no uso intensivo de agrotóxicos e transgênicos “é insustentável”. Ele critica a pressão de setores econômicos sobre o Congresso Nacional e a resistência à implementação de políticas públicas voltadas para a agroecologia.

O médico defendeu investimentos em produção agroecológica e lembrou experiências bem-sucedidas, como a da fazenda Native, em Sertãozinho (SP), que cultiva cana-de-açúcar sem uso de agrotóxicos e com maior produtividade. “É possível produzir soja, milho e gado de forma agroecológica. Falta vontade política e enfrentamento ao poder econômico”.

Enquanto a decisão final sobre o “PL do Veneno” aguarda o posicionamento do governador, cresce a preocupação com o futuro da saúde pública e da preservação ambiental em Mato Grosso.

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