
Por Adriana Mendes

Fachada a Associação Mato-grossense de Cultura (AMC) Foto: Adriana Mendes
A série “Balcão de Emendas: para onde vão os milhões da ALMT” é resultado de um levantamento que o eh fonte realizou, com base em dados do Portal da Transparência, sobre o destino dos recursos das emendas parlamentares da Assembleia Legislativa de Mato Grosso.
Entre 2021 e 2024, os deputados de MT empenharam R$ 1,5 bilhão em emendas, sendo que R$ 1,4 bilhão já foi pago. No período, os recursos foram destinados majoritariamente a Organizações da Sociedade Civil (OSCs).
A primeira matéria da série é sobre a associação que lidera o ranking de entidades beneficiadas com emendas parlamentares nos últimos quatro anos.
Campeã de emendas, AMC funciona em casa no Jardim Universitário
Montes de pedra e restos de construção ocupavam a frente da casa indicada como endereço da Associação Mato-grossense de Cultura (AMC), no bairro Jardim Universitário, naquela manhã de segunda-feira, começo de março. A fachada estava sem qualquer identificação, e foram os vizinhos que nos ajudaram a localizar o imóvel. Ao tocar a campainha, por volta das 9 h, quem atendeu foi o músico Marcos Levi de Barros, presidente da AMC.
Sem camisa e justificando que acabara de acordar, ele nos recebeu com uma expressão de surpresa. Confirmou que a associação funciona no local, disse que a casa passava por uma reforma e pediu para procurá-lo em outro momento.
“Vamos marcar que eu te dou todas as informações”, afirmou.
A presença da equipe do eh fonte na sede da AMC teve uma boa razão. Entre 2021 e 2024, a entidade recebeu R$ 57,7 milhões por meio de emendas parlamentares estaduais. Foi a organização civil que recebeu o maior valor em recursos pagos nesse período. Onde foram parar esses recursos é a pergunta ainda não respondida.
Nas redes sociais, a AMC se apresenta como uma OSC (entidade da sociedade civil sem fins lucrativos) fundada em 2012 para “suporte e iniciativas da cultura de MT”. O site da entidade está desatualizado, oferece muito pouca informação e nenhuma prestação de contas sobre a aplicação desses recursos.
As informações mais recentes são de 2020 e na aba relativa a “Quem Somos” aparecem 10 termos de fomento firmado com a Secretaria estadual de Cultura, Esporte e Lazer, para realização de eventos, que somados chegam a R$ 1,763 milhão. Só que todos esses termos são de 2019. De lá para cá não há qualquer informação disponível sobre os recursos destinados à AMC por meio de emendas.
O crescimento dos repasses é expressivo. Em 2021, a AMC recebeu R$ 195 mil. Em 2024, o montante saltou para R$ 25,1 milhões. Ao todo, 20 deputados destinaram recursos para a entidade. Os maiores volumes foram indicados pelos deputados Elizeu Nascimento (PL), Faissal Calil (Cidadania), Paulo Araújo (PP), Max Russi (PSB) e Carlos Avallone (PSDB).
Voltamos a entrar em contato e retornamos à AMC no início de abril, desta vez com horário de entrevista marcado. O músico Marcos Levi nos recebeu e nos apresentou seu assessor de comunicação Eliel Tenório Pereira, que iria acompanhar e também gravar a entrevista. Descobrimos depois que Pereira é assessor parlamentar da Assembleia, lotado no Bloco Direita Democrática, liderado justamente pelo deputado Elizeu Nascimento, o parlamentar que mais destinou verbas à associação, quase R$ 12 milhões nos últimos quatro anos. O assessor estava em horário de trabalho da ALMT.
Relação com o deputado que “abriu as portas”
Questionado sobre a relação com o deputado Elizeu Nascimento, Marcos negou qualquer ligação pessoal, mas afirmou que o parlamentar “abriu as portas para AMC”. Segundo ele, na época em que era “marinheiro de primeira viagem”, o deputado o procurou querendo atender comunidades não contempladas por prefeituras.
“Ele me perguntou se a associação poderia executar algum projeto para uma comunidade que não tinha acesso a recursos”, disse Levi, explicando que assim começou a executar os projetos financiados por emendas parlamentares.
O presidente da AMC também negou que receba qualquer pedido para repasse de “gratificação” aos deputados.
“Essa prática a gente não tem”, garantiu.
“Eu não atuo diretamente com deputados… Se essa prática acontece, acontece lá direto com o prefeito e com os vereadores. Comigo não. O que chega para mim, eu executo”.
A informação obtida pelo eh fonte em declarações de outras associações é que a prática é recorrente. No entanto, há medo de represálias.
O presidente da AMC contou que frequentemente é procurado por prefeitos e vereadores de diversos municípios que solicitam emendas aos deputados e precisam indicar uma entidade executora.
“Tem município que não consegue organizar um aniversário de cidade, um festival de pesca, um festival de praia”, justifica, destacando que é nesses casos que “entra o terceiro setor para resolver”.
Segundo ele, 90% dos eventos realizados atualmente pela associação são os mesmos de quatro ou cinco anos atrás, com destaque para o projeto do lambadão, que tem o objetivo de promover a cultura mato-grossense.
“O lambadão foi reconhecido, a nossa associação brigou por isso. Constituiu-se o dia do lambadão. Trouxemos o lambadão para fazer parte da cultura”, afirmou.
Ele também citou eventos como o Festival de Pesca de Lambari do Oeste, a Festa da Banana, em Cáceres; e o projeto Rua do Rasqueado, em Cuiabá.
Ausência de prestação de contas
Levi reconheceu a falha na atualização do site da AMC – cujas últimas informações são de 2020 – e justificou que o foco da divulgação tem sido as redes sociais.
“Veio o Instagram, né? Todo mundo fica postando no Instagram”, disse, reforçando que as ações da associação estão disponíveis nessa plataforma. “Tem até que atualizar esse site meu Deus!”
Questionado sobre a ausência de prestação de contas no site, ele respondeu que os dados estão acessíveis “nos órgãos reguladores”, nas secretarias com as quais a entidade mantém parceria, e são publicados no Diário Oficial e no Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT).

O músico Marcos Levi Barros, presidente da AMC / Foto: Iasmim Sousa
A falta de transparência na prestação de contas das emendas parlamentares levanta dúvidas sobre o uso dos recursos públicos. Procuramos a Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer (Sedel), responsável por 86% das emendas da AMC, mas não tivemos resposta sobre a divulgação da prestação de contas. Também questionado, o TCE-MT não se manifestou até o fechamento da reportagem. As emendas são impositivas — ou seja, o governo é obrigado a executá-las — e estão previstas na Lei Orçamentária. É de livre escolha parlamentar definir onde e para qual projeto quer destinar o recurso.
Na próxima matéria da série, o eh fonte tratará da entidade que recebeu o segundo maior volume de recursos de emendas parlamentares.
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