COLUNA

Francisca Medeiros

francisca@ehfonte.com.br

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Fome e desperdício não combinam

Um país com milhões de famintos e que joga muita comida fora. E onde potenciais doadores de alimentos não se sentem seguros porque temem ser responsabilizados, no caso de, por alguma questão sanitária, acontecer problemas com o consumidor. Como superar esta contradição?

Algumas dicas podem ser a busca por mais informação e a cobrança pela mobilização do poder público, da sociedade e das pessoas em geral para que não continuem indo para o lixo alimentos que poderiam saciar a fome de tantos.

A incerteza de não ter o que comer direito afligia mais de 33 milhões de brasileiros em 2022, perto de 15% da população. Atingia, por exemplo, mais de 60% das famílias do campo e 65% dos lares dirigidos por pessoas pretas e pardas. Norte e Nordeste eram as regiões mais afetadas.

Estes dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, estudo elaborado pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar).

De lá para cá, alguma coisa melhorou. Neste último ano, 13 milhões de brasileiros deixaram de passar fome, conforme aferiu o Instituto Fome Zero no levantamento feito a pedido do governo federal. Ou seja, agora são 20 milhões de pessoas convivendo com a insegurança alimentar, situação que, obviamente, continua inaceitável.

Tecnicamente, a insegurança alimentar é quando a pessoa não tem acesso regular a alimentos. Ela não sabe se e quando terá uma próxima refeição de qualidade. E o combate a esta tragédia social depende da efetividade de políticas públicas amplas, mas que, pela urgência, não exime ninguém de participar.

As políticas públicas devem garantir o acesso à terra, à educação, aos programa sociais e de transferência de renda, à merenda escolar e dar mais apoio à agricultura familiar.

A ONU coloca o Brasil como o décimo país em desperdício de alimentos no mundo. Cada brasileiro joga fora, por ano, cerca de 60 quilos de comida em boas condições de consumo. Por isso, a coluna foca hoje na urgência de se evitar as perdas na ponta, uma etapa que envolve todos.

O consumo consciente e a solidariedade ajudam a encher mais pratos em vez de lixeiras. Os doadores de alimentos, como supermercados e restaurantes, podem se informar melhor sobre a Lei 14.016, de 24 de junho de 2020, que trouxe mudanças significativas neste tema.

Esta medida legal autoriza empresas produtoras e fornecedores de alimentos (in natura, industrializados e refeições prontas) a doar excedentes não comercializados e ainda próprios ao consumo humano, desde que dentro da validade. E também esclarece que a doação não configura relação de consumo.

Um dos receios dos potenciais doadores é a possibilidade de serem responsabilizados por possíveis problemas causados pelo consumo dos alimentos. Pela lei, esta responsabilidade se encerra após a primeira entrega ao beneficiário ou ao intermediário. A responsabilização pode se dar somente em caso de dolo, quando é intencional.

E o que prevê a Anvisa? O que está valendo é o Guia 57/2022 para Doação de Alimentos com Segurança Sanitária. A primeira versão foi publicada em dezembro de 2022 e tem caráter recomendatório.

É um documento muito completo que mostra as boas práticas que devem ser seguidas em todo o processo. Traz, inclusive, fotos das condições dos alimentos e das embalagens que ajudam, de forma prática, a escolher quando é caso de doação e quando é de descarte.

“Doar sem culpa e receber com dignidade só acontecerão com segurança sanitária”, realça o guia, que já pode ser revisado para incluir as contribuições recebidas pela Agência ao longo de um ano de consulta pública, encerrada em novembro passado.

O interessante é que, baseados na Lei 14.016/2020, muitos municípios já elaboraram suas cartilhas com orientações para estimular a doação de alimentos em um ambiente de mais confiança entre doadores, bancos de alimentos e voluntários para socorrer quem sofre com fome.

Vale aqui um alerta: para evitar perdas, alguns restaurantes cobram taxa de desperdício pela comida que fica no prato. Mesmo que bem-intencionada, esta é uma prática abusiva à luz do Código de Defesa do Consumidor porque é entendida como uma cobrança dupla, já que toda a comida foi paga.

Os restaurantes podem, sim, ser parceiros eficientes na luta contra o desperdício e pelo consumo consciente, desenvolvendo campanhas de esclarecimento e, no caso dos rodízios, oferecendo porções menores, já que o cliente pode repetir o quanto quiser. E, principalmente, firmando parcerias com entidades mediadoras para doar excedentes que cheguem, rapidamente, a quem precisa.

Não é difícil encontrar em qualquer cidade grupos que atuam com regularidade no combate à fome. É o trabalho formiguinha tocado nos bairros por voluntários, igrejas, ONGs locais ou em movimentos nacionais mais estruturados como o Sesc Mesa Brasil, a Cufa e a Ação da Cidadania.

Cada um pode achar seu melhor jeito de engajar. Quando evita o desperdício no próprio prato, orienta crianças e jovens a experimentarem alimentos variados ou doa para bancos de alimentos. E também quando cobra e apoia políticas públicas que garantam, emergencialmente, a saciedade de todos, e que, contribuam, em definitivo, para a emancipação de quem ainda vive em situação vulnerável.

 

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