COLUNA

Francisca Medeiros

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Greenwashing, a mentira verde

Se o consumidor prefere produtos sustentáveis, as empresas se adaptam para entregas eco-friendly, ambientalmente mais amigáveis. Ao fim, em algum grau, há ganhos para a marca, a natureza e a sociedade. Mas também há desvios neste caminho. Às vezes, o que é apresentado como verde só tem uma embalagem diferente, mas a essência é mantida a mesma. Isso tem nome: greenwashing ou lavagem verde, uma prática que deve ser denunciada e combatida. 

A percepção dessa espécie de maquiagem não é nova, tanto que o neologismo surgiu em 1989. Há casos difíceis de serem percebidos de cara. Na tentativa de construir uma identidade pública ‘verde’, uma empresa pode concentrar a comunicação em um produto biodegradável, mas que não é representativo de todo o portfólio. Ou cria produtos para servir de bandeira, embora o restante continue igual.

Outros sinais de alerta: sites com informações genéricas, lotados de ícones parecidos com selos de certificação. Rótulos com apelo ecológico, cujos benefícios não são comprováveis. Relatórios de sustentabilidade com dados imprecisos ou falsos que não refletem a real cultura da empresa.

Há situações mais explícitas. Roberto Naime, doutor em Geologia Ambiental, em artigo na revista eletrônica EcoDebate alerta para rótulos que dizem que o produto é livre de CFC (clorofluorcarbono), substância nociva à camada de ozônio que é proibida no Brasil há mais de 20 anos!

Entre 2018 e 2019 o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) fez um estudo em redes de supermercados no Rio de Janeiro e em São Paulo e identificou esta lavagem verde em pelo menos um terço dos rótulos analisados.

Eram informações sem provas, irrelevantes ou imprecisas. Não tinha como comprovar, por exemplo, se o produto era vegano e/ou não testado em animais, se o seu uso economizava água ou energia ou que era 100% biodegradável. As empresas tiveram que mudar os rótulos.

E como o consumidor pode se defender? Com informação, antes de tudo, e usando seu poder de denúncia. O Idec recomenda que se observe rótulos e selos com atenção e, diante de irregularidade, denuncie no SAC da empresa, no Procon ou no Conar. Outro canal é o portal consumidor.gov.br, um serviço público e gratuito que permite a interlocução entre consumidores e empresas.

No agro o greenwashing também preocupa. Já houve, inclusive, decisão judicial contra a chamada ‘triangulação de gado’. É quando os animais de uma área sob embargo judicial são levados para outra ‘ficha-limpa’, sem passivo ambiental e, de lá, são entregues para o abate no frigorífico. Na Justiça, todos os envolvidos respondem pela fraude.

Uma ferramenta para monitorar as cadeias produtivas é a rastreabilidade. Para saber, por exemplo, se a cadeia de suprimento de um produto está livre de desmatamento ilegal é preciso ter informações confiáveis desde a origem, do trajeto percorrido e do destino final. Tudo auditável e certificado com independência.

Uma experiência que já conseguiu fechar este ciclo é da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). Segundo a entidade, 84% da produção da pluma nacional são certificados e rastreáveis. Cada fardo leva uma etiqueta com detalhes da produção e a tecnologia garante, no final da linha, que o consumidor veja no celular, por meio de um QR Code na peça de roupa, toda a cadeia de responsabilidade, da lavoura à beneficiadora, fiação, tecelagem, confecção até o varejo.

O setor da carne bovina atua, desde 2009, segundo o que tem sido definido em Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) firmados entre o Ministério Público Federal (MPF) e os principais frigoríficos com objetivo de conter o avanço do desmatamento na Amazônia.

As indústrias signatárias não compram bovinos de fazendas que desrespeitam as normas ambientais, fundiárias e sociais, o que inclui também fornecedores diretos e indiretos. E auditorias independentes verificam o cumprimento desses pactos.

No segmento de grãos, desde 2008, está em vigor a Moratória da Soja, uma iniciativa que assegura que o grão produzido na Amazônia esteja livre de desmatamentos ilegais. Fazem parte do pacto indústrias de óleo, exportadoras de soja, ONGs e governo federal.

E mais um segmento do agro, o de Frutas, Legumes e Verduras (FLV), deve se adequar à Instrução Normativa 2/2018 da Anvisa e Ministério da Agricultura, que prevê a rastreabilidade destes produtos frescos destinados à alimentação humana. A finalidade é o monitoramento e controle de resíduos agrotóxicos, tendo também os supermercados como parte.

O mais recente desafio da agroindústria exportadora brasileira é a Lei  Antidesmatamento da União Europeia que terá aplicação efetiva a partir de dezembro de 2024. Para entrar no mercado europeu, soja, carne bovina, couro, cacau, madeira, café, borracha e óleo de palma brasileiros não poderão ter ligação com áreas de desmatamento. Esta medida tem gerado forte reação por aqui, principalmente dos produtores que alegam que o desmate ilegal e o autorizado por lei são tratados da mesma forma.

A produção à luz dos princípios ESG é um imperativo, seja pela urgência climática ou para alinhamento com os humores de mercados. Há acordos nascidos da autorregulação de alguns setores; e outros, por força da lei. Isso não faz tanta diferença porque o que importa é a transparência nas entregas, sem camadas de maquiagem que melhoram a aparência do que não é tão bonito, nem tão verde.

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