COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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José, um caso de amor e luz

Foto Arquivo Pessoal

Desde a primeira vez que vi José Luiz senti que algo ia ‘rolar’. Foi no início de 1971, em Cuiabá, na porta da minha casa. Desse tempo para cá passaram 53 anos, dos quais 50 redondos eu e ele vivemos juntos, somando namoro, noivado e casamento. O escritor García Márquez define que “a vida não é a que a gente viveu e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”. Pois digo que tenho na memória tudo que passamos lado a lado nesse tempo vivido e posso contar, em detalhes, os feitos, bem como os infortúnios que tivemos, em específico a morte do nosso filho Bruno aos 17 anos. E antecipo que o acerto final é de amor e luz.

No presente, minha vida sofreu uma reviravolta. Tudo porque José resolveu ir para a eternidade se juntar ao filho, me deixando, de forma inesperada, sem chão. Daqui a um pouquinho imagino que o viço que eu e ele recuperamos, passo a passo, depois da perda de Bruno, aparecerá de novo. E me pego pensando naquela crença de que o ser humano não nasceu para ser feliz o tempo todo. Vira e mexe, por mais que se esforce, defronta-se com obstáculos pesados e situações emocionais que o desafiam mesmo. Ou seja, faz parte da existência humana as conjunturas de tristeza extrema e de satisfação plena. Parece que a moderação inexiste.

Mas deixando por ora a desolação e apegando-me à esperança, vejo neste instante ao meu lado Bianca, nossa filha, uma pessoa luminosa. No céu, onde está agora, José está com Bruno; na terra, eu fiquei com Bianca. Num olhar espiritual, seria isso uma peça do destino? Talvez, mas acredito que seja mais uma demonstração de cuidado dele, que era apaixonado por Bianca e por mim. Nutria por nós admiração e respeito. Natural, portanto, juntar as duas. Aliás, esse ‘tomar conta’ ele dispensou também aos pais Luiz e Nilce até a morte deles. Na verdade, tudo que José fez em vida teve como foco o equilíbrio e o bem-querer para seus familiares e para a ‘tropa’ de amigos que juntou.

Entre os sinônimos para a palavra Amor menciono três associados ao meu marido, que são carinho, apego e fraternidade. Parentes e amigos sabem que ele foi um homem do bem, correto, amoroso e zeloso de sua família. Os defeitos, inerentes a qualquer um, José também os tinha, mas deixo de lado porque neste instante não é o que interessa e porque não é isso o que sobressai no seu perfil. Psicólogo de formação, a sensibilidade foi sua companheira, o que o fez atuar com crianças. Institucionalmente, um de seus trabalhos foi, nos anos 1990, a implantação dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente nas cidades de Mato Grosso, como assessor do MP Estadual.

Já com relação à palavra Luz, os significados relacionados a José Luiz são entendimento, saberes e cultura. Depois daquela ‘primeira vista’ de 1971, o que me chamou atenção nele, nos anos seguintes, já em Brasília, foi o conhecimento que possuía sobre todo assunto que surgia nas conversas de jovens e dos mais velhos também. Ele discutia política, economia, sociedade etc. Para mim, então uma estudante de Jornalismo, isso foi encantador porque José se apresentou como o interlocutor ideal para estar do meu lado. Quando me formei, em 1974, começamos a namorar e, em 1977, nos casamos. Formamos uma dupla e tanto! Ler jornais e revistas e assistir telejornais diariamente, juntos, foi nossa mania por 50 anos.

Além da informação, outro ponto em comum nosso foram os cachorros. José foi um “cachorreiro’ de primeira, tinha paixão pelos cães da raça boxer que criou ao longo dos anos: Eros, Dall, Tyson, Bruce, Jack, Rocky e Apolo. Nesse apego fui companheira de modo integral porque igualmente adoro boxers. Há mais dois hábitos que cultivamos o tempo todo: assistir jogos de futebol, pois pertencemos à geração da Copa de 70, e ir ao bar às sextas-feiras beber cerveja gelada, condição essa obrigatória na Cuiabá 40°. Porém, no quesito futebol, tínhamos uma discordância nunca superada nessas décadas juntos – José torcia pelo Flamengo, eu torço pelo Botafogo. Fazer o quê, né?

Mas pensando de novo no Amor e na Luz, da união dessas palavras surge uma outra que é a Amizade, aquela conexão afetiva, de reciprocidade, respeito e confiança entre as pessoas. Nesse ponto, eu e José fomos sortudos porque temos amigos em quantidade e qualidade. Moramos em Brasília por 12 anos e lá fizemos compadres e amigos do peito. Em Cuiabá, para onde retornamos em 1982, esse rol de amizade ampliou, porque o afeto abrangeu os familiares cuiabanos meus e dele. Por isso, agora, o importante é externar gratidão a todos. Fico sem palavras para descrever ainda a prontidão e o esforço do grupo de amigos que socorreu José na hora do incidente que ele sofreu, e que, ao final, depois de 10 dias de internação em UTI, resultou na sua morte.

Eu e Bianca estamos tristes, angustiadas, no modo ‘em espera’. Por uns tempos vamos deixar as coisas irem se ajeitando, ou melhor, vamos ‘tapeando’ até mesmo porque, dessa maneira, atenderemos a uma das ‘famas’ de José, que é a de ter sido ‘uma pessoa enrolada’. Quando ele se mudou para Brasília, os amigos da juventude o apelidaram de “Zé Carrité” (rolo de linha), porque atrasava, adiava, ou retardava as coisas, os encontros etc. Com o tempo aprendi a conviver com as ‘enrolações’ de José. E percebi que esse vai e vem dele perante algumas situações eram instantes de calma combinados com ponderação e tino, características essas de sua personalidade.

José Luiz morreu aos 74 anos. Foi, em vida, um grande filho, um grande marido, um grande pai e um grande amigo. Ele deixou para mim, Bianca e Bruno (em memória) um patrimônio de dignidade, retidão, honestidade e amor-próprio, além de uma saudade doída demais. O propósito meu e de Bianca é honrá-lo, dedicando a ele nosso amor eterno e almejando muita luz no céu ao lado de Bruno.

Fique em paz, pretão! Amo você desde a primeira vez que o vi em 1971.

** Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte.

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