Juízes do trabalho participam de “Farm Day” em MT

Foto: reprodução/Instagram

Em um evento nada usual, cerca de 25 juízes do Trabalho de Mato Grosso realizaram ontem uma visita técnica a uma unidade agrícola em Campo Verde, a 139 quilômetros de Cuiabá (MT), com diárias pagas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT).

A participação no “Farm Day”, dia da fazenda,  foi organizada pela Escola Judicial e talvez passasse até despercebida se não fosse em uma algodoeira do Grupo Bom Futuro, que é um dos maiores do agronegócio de Mato Grosso e do país. O grupo, que  tem com sócios Eraí Maggi Scheffer, Elusmar Maggi Scheffer, Fernando Maggi Scheffer e José Maria Bortoli, atua com processamento e armazenagem de grãos e fibras, pecuária, piscicultura e produção de sementes, tendo ainda braços no setor imobiliário e aeroportuário. Alguns magistrados postaram vídeos e fotos em redes sociais, até mesmo simulando dirigir uma colheitadeira.

A pedido da diretora da Escola Judicial, desembargadora Eliney Veloso, o presidente e corregedor, desembargador Paulo Barrionuevo, autorizou os juízes a se ausentar de suas comarcas na quarta-feira (13), para o deslocamento a Cuiabá e, na quinta-feira (14), para a visita à fazenda em Campo Verde. Do grupo, 13  juízes do interior receberam diárias de R$ 700, totalizando, segundo o TRT, um valor de R$ 19,5 mil para a “ação de capacitação”.

Alguns deles também vão participar de um encontro dos magistrados na capital, nesta sexta-feira, incluindo juízes residentes em Cuiabá. Os da capital não têm direito a diárias. Todos os magistrados do TRT de Mato Grosso receberam convite para o “Farm Day”, mas grande parte deles ficou incomodada com tal promoção. As audiências agendadas neste período foram remarcadas para não coincidir com o evento.

No ofício enviado aos juízes comunicando a ação não há justificativa para a visita. Na programação consta que o solicitante foi Leonardo Rossato, diretor administrativo da Bom Futuro, e que a estimativa era de reunir cerca de 50 pessoas no dia, além de uma equipe da Farmum. O Instituto Farmum, fundado por mulheres do agro, promove um evento com o mesmo nome para que educadores e alunos vivenciem a realidade do campo. A assessoria do grupo Bom Futuro negou que seja uma visita solicitada pela empresa.

De acordo com a assessoria do TRT, a realização de visitas a instituições públicas e privadas cuja atividade tem relação com a atuação do magistrado, “é parte do processo de formação a que eles estão submetidos, por força de resolução da Escola Nacional da Magistratura Trabalhista (Enamat)”, que foi publicada no ano passado.  A Escola Judicial informou que o transporte até a fazenda foi por conta do tribunal, e que a Bom Futuro se dispôs a fornecer alimentação aos magistrados participantes.

O argumento de “capacitação” para justificar a visita à fazenda e o conhecimento in loco do funcionamento das atividades no campo é questionável, já que a ação reúne apenas o lado patronal. Assim como o pagamento de diárias para que os juízes participem do “Farm Day”.

Atualmente, não existe proibição ou restrição para que magistrados participem de eventos bancados por grandes corporações. Em setembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) rejeitou a edição de um ato normativo nesse sentido. Mas o placar foi apertado, com oito votos pela rejeição e seis pela aprovação.

No caso do grupo Bom Futuro, dados do Painel de Gestão do TRT mostram que existem 48 ações em tramitação na Justiça do Trabalho mato-grossense, sendo que 43 estão relacionadas à empresa Bom Futuro Agrícola Ltda. O tribunal informou que a empresa ocupa a 305ª posição no ranking de processos do estado. Em primeiro lugar está o grupo BRF, que possui vários frigoríficos em Mato Grosso, com 2.019 processos trabalhistas. No ano passado, a escola judiciária levou os magistrados em uma visita a uma empresa do setor.

Uma visita técnica até pode ser interessante para conhecer a realidade de uma empresa, mas as experiências relatadas indicam que só grandes empresários têm o privilégio de desfrutar do convívio com juízes que daqui a pouco poderão estar julgando seus processos.

Foto: reprodução