COLUNA

Francisca Medeiros

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Litigância pela justiça climática

Os tribunais tornam-se, cada vez mais, palcos da discussão, decisão e responsabilização de agentes públicos e privados pela falta de combate efetivo à crise climática. A litigância climática é uma estratégia jurídica, e também política, que tem sido buscada para enfrentar os efeitos destas mudanças que tanto afetam a vida das populações em todo o mundo, especialmente as mais vulneráveis.

O conceito de justiça climática considera que a crise do clima atinge as pessoas de forma desigual e que governos e tomadores de decisão devem agir para diminuir estas desigualdades e garantir mais proteção a quem mais precisa. É notório que quem vive nos países pobres e em regiões periféricas sofrem muito mais com secas, enchentes e deslizamentos de terra.

Em abril, a coluna comentou uma decisão judicial considerada um importante precedente neste tema. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos julgou que o estado suíço violou os direitos humanos de cidadãs por não atuar com eficiência na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. E determinou que aquele governo adote medidas para diminuir estes impactos.

Uma associação de idosas com mais de 75 anos ingressou com a ação, amparada por vasta documentação científica e relatórios médicos atestando que as ondas de calor pioram as condições cardiorrespiratórias e trazem risco à vida delas. O ineditismo da decisão está na confirmação da ligação da luta contra o aquecimento global com a defesa dos direitos humanos.

Ainda na Europa, em novembro do ano passado, três organizações ambientais levaram o estado português à justiça pelo descumprimento da Lei de Bases do Clima, que entrou em vigor em fevereiro de 2022 e cuja efetivação ainda depende de regulamentação, e que, segundo as autoras, “99% dos prazos definidos em lei não foram cumpridos”.

Esta ação portuguesa de litigância climática alega “omissão gravíssima” por parte do governo com o Acordo de Paris que, em 2015, definiu que o aumento da temperatura deveria ficar 2°C abaixo dos níveis pré-industriais. Outra meta nacional portuguesa é diminuir 55% das emissões de gases de efeito estufa até 2030.

Mariana Gomes é uma jovem estudante de direito de 22 anos que fundou e preside a Associação Último Recurso, entidade que “nasceu para utilizar o direito e a litigância climática para responsabilizar os principais infratores pela crise climática”, função assim descrita no portal na internet. A entidade é uma das três que assinaram a ação popular contra o governo.

Em uma entrevista disponível no YouTube, Mariana diz que acredita que após a decisão emblemática do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, “será difícil um juiz português dizer, por exemplo, que o não cumprimento de uma lei não viola os direitos humanos”.

Bem, em meados de abril, o Tribunal Cível de Lisboa negou provimento à ação, mas as autoras decidiram recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça e estão dispostas, inclusive, a apelar ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Aqui no Brasil a litigância climática também tem ganhado destaque nos últimos anos. Um grupo de pesquisa em direito da PUC Rio, inclusive, criou a Plataforma de Litigância Climática no Brasil para reunir os dados destes litígios nos tribunais brasileiros. Consultando a plataforma, aparecem publicados 82 casos.

Chama a atenção a forte participação da sociedade civil organizada, o terceiro setor, pela iniciativa das ações, empatando com o Ministério Público. Entre os problemas que motivaram os processos estão a invasão de parques estaduais, irregularidades em projetos de créditos de carbono, desmatamentos ilegais e depósitos de madeira ilegal, entre muitos outros.

Dois casos de Mato Grosso fazem parte da lista desta plataforma. Um deles é uma Ação Civil Pública (ACP) oferecida pelo Ibama contra uma madeireira de Colniza que mantinha um depósito de madeira ilegal em toras, retirada sem licença ambiental. O juiz deferiu parcialmente a liminar e determinou que o réu repare os danos à flora e fauna, erosão do solo e pela contribuição para o aquecimento global.

Outra ACP foi ajuizada pelo Ministério Público estadual contra um empresário que desmatou sem autorização mais de 11 mil hectares em áreas de proteção ambiental em fazendas localizadas no município de Juara. O juiz decidiu pela condenação do réu ao pagamento de danos morais coletivos em face dos danos ambientais causados.

A litigância climática é mais uma ferramenta na construção de um mundo sustentável e justo, onde o direito à vida, ao ambiente saudável e ecologicamente equilibrado deve ser compartilhado por todos. É preocupante, porém, a lentidão do andamento dos ritos judiciais. Uma morosidade que pode comprometer o acesso a esse direito diante da velocidade avassaladora com que a crise do clima se abate sobre nosso planeta.

** Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte.

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