COLUNA

Francisca Medeiros

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Informações que unem o campo e a cidade.

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Meteorologia que salva vidas

Saber com antecedência se vai chover, esfriar ou fazer sol ajuda na decisão se é o caso de pegar um agasalho ou um guarda-chuva. Define se as máquinas vão entrar em campo para plantar ou colher. E, em tempos de extremos climáticos, pode fazer a diferença entre a vida e a morte de pessoas e animais. O que coloca o serviço de meteorologia, especialmente o público, em um patamar ainda mais estratégico. E neste quesito o Brasil não está nada bem.

O quadro de servidores especializados é claramente insuficiente. A lei prevê que somente meteorologistas podem fazer a previsão do tempo. E no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que é ligado ao Ministério da Agricultura, são apenas 27 destes profissionais. Isso em um país continental, de 8,5 milhões de km². Para comparar, nos Estados Unidos, com 9,8 milhões de km² (15% maior que o Brasil) o National Weather Service (NWS), similar ao Inmet, emprega quase 2 mil meteorologistas.

Muitos especialistas criticaram também a mudança no Inmet que transformou quatro dos dez distritos meteorológicos em polos, onde não é feita previsão do tempo e onde os profissionais não precisam ser, necessariamente, meteorologistas. A unidade de Mato Grosso é uma das que viraram polo. Nos Estados Unidos há 122 estações com estrutura similar aos distritos daqui.

A última seleção para meteorologistas pelo governo federal foi em 2006. E o cálculo que representantes da categoria fazem é que desde 2009 cerca de 200 meteorologistas foram aposentados. Agora, no Concurso Nacional Unificado, o “Enem dos Concursos”, estão previstas 40 vagas para o cargo de tecnologista, com especialidade em Meteorologia ou Ciências Atmosféricas e remuneração inicial de R$ 6,6 mil.

A categoria reclama que os menores salários da União são pagos ao pessoal do Inmet. No Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) os salários são mais altos. Os aprovados no concurso para o Inmet vão trabalhar em Brasília, Belém, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Nenhuma vaga para Cuiabá. Lembrando que as provas, marcadas para 5 de maio, foram adiadas em razão do caos em que está mergulhado o Rio Grande do Sul, tragicamente impactado pelas cheias de vários rios.

A meteorologia é particularmente importante para a agropecuária e, em consequência, para a segurança alimentar. Também na navegação aérea, terrestre, aquática e na defesa civil. É a ciência que presta serviço de utilidade pública, que gera informações úteis ao cotidiano de toda a população. Usa dados como umidade do ar, volume de chuva, força e direção dos ventos e marés, apoiada por fartas imagens de satélites.

A coleta, leitura e interpretação dos dados geram os alertas vitais de riscos de eventos extremos, como secas, enchentes, tornados, ondas de calor. A ciência tem feito seu papel, alertando à exaustão que a maior frequência e intensidade destas anomalias têm ligação com as mudanças climáticas e o aquecimento global – que carregam as digitais humanas -, combinados com fenômenos naturais como El Niño e La Niña.

Aqui em Cuiabá, por exemplo, temos sentido na pele os desajustes do tempo. Em abril, a capital teve chuva abaixo e temperatura acima da média, mesmo comportamento registrado em março. No mês passado a média de 21,9°C do mês ficou 2,3°C acima da chamada normal climatológica. O acumulado de chuva foi de 80,4 mm no mês, representando 71% da média, um déficit em volume de 32,4 mm.

E quanto maior é a antecedência na divulgação dos alertas sobre possíveis problemas, diminuem os riscos de que eles atinjam em cheio populações desprevenidas. E pode tornar mais célere e eficiente a resposta da Defesa Civil, dos prefeitos, governadores, ministros, presidente da República, ONGs, empresas, das pessoas em geral.

Sinalizando que reconhece a gravidade do cenário, o governo Lula incorporou o fenômeno global ao nome do ministério da área, rebatizado Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Mas ainda há um trabalho hercúleo a ser feito, e que é para ontem.

Um projeto para maior engajamento dos brasileiros foi iniciado em 2013 pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A partir de 2013 o órgão distribuiu 1.150 pluviômetros (equipamentos que medem a quantidade de chuva) para moradores de comunidades em áreas de risco. Eles operam o equipamento e transmitem as informações para o órgão federal.

Atualmente o Cemaden monitora 959 municípios que têm histórico de registros de desastres naturais decorrentes de deslizamentos de encostas, inundações, entre outros problemas. Entre eles os gaúchos Caxias do Sul, Estrela, Pelotas e Porto Alegre, fortemente impactados pelas recentes chuvas. Em Mato Grosso, são monitorados 15 municípios, entre eles Cuiabá, Santo Antônio de Leverger, Colniza e Comodoro.

A Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), instituída em 2009, está passando por revisão. Regulamentada em 2010, ela tem propostas para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa. Até agora as metas não foram cumpridas e, para esta revisão, em junho de 2023 foi criado um comitê interministerial que ainda não concluiu o trabalho.

As mudanças climáticas têm dificultado até a coleta de dados, como relataram em congressos científicos dois pesquisadores do Inpe, Karla Maria Longo de Freitas e Saulo Ribeiro de Freitas. A hipótese é que a elevação da temperatura do planeta leva a uma variação do nível médio do mar e isso tem interferido na exatidão das informações coletadas.

Mas outros pesquisadores da área também dizem que há avanços no aprimoramento dos modelos climáticos, inclusive com o uso da inteligência artificial. A ideia defendida é que é preciso estimular mais pesquisas e investimentos em equipamentos avançados para garantir mais precisão nas previsões.

Também é necessário o fortalecimento da Defesa Civil e o reforço dos sistemas de alerta. Para melhor adaptação das cidades, que sejam revistos os planos diretores e também que se pense em construções mais resilientes. Falta treinamento da população, com simulações de desastres, já que a mudança climática, ou melhor, a emergência climática veio para ficar. E nada é mais importante ou tem mais valor do que salvar vidas e sonhos.

*  Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte.

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