COLUNA

Francisca Medeiros

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Negócios Brasil-China

Brasil e China completam 50 anos de relações diplomáticas em 2024, marco que tem sido muito comemorado pelos governos e empresas de ambos os lados. É um período curto, do ponto de vista histórico e político. Mas, na economia, tudo aconteceu com rapidez até a China se tornar o mais importante parceiro do Brasil e de Mato Grosso.

Em 1993, as exportações brasileiras para a China correspondiam a menos de 3% do total e as importações de produtos chineses representavam 1,8% de tudo o que o Brasil comprou do exterior naquele ano. O ano da virada foi 2000, quando a China tornou-se o principal parceiro comercial na Ásia. Em 2009, já tinha atingido o posto de principal parceiro.

O país de cultura milenar e politicamente fechado sempre gerou muita curiosidade no imaginário brasileiro. Lembro da minha ansiedade quando, ainda adolescente, me caiu nas mãos o livro “Henfil na China (Antes da Coca-Cola)”, do cartunista Henfil. O livro-reportagem relata a viagem dele ao país que, naquele 1977, contabilizava 950 milhões de habitantes (agora tem quase 1,5 bilhão).

Era tudo tão novo que, na orelha do livro, Henfil brincou com o falso alerta: “Se eu não morresse lá, de lavagem cerebral, morreria aqui da cirurgia para extirpar o vírus comunista que eu traria nos meus cabelos, roupas e principalmente alma”.

Foi uma delícia viajar com Henfil, sentir o choque cultural e a admiração por um país que, para ele, era um lugar “ainda não multinacionalizado”. (Para quem não leu, vale a dica, até para curtir o charme adicional das ilustrações de algumas crônicas e o traço único do autor).

Em 2008 li “Laowai: Histórias de uma repórter brasileira na China”, da jornalista Sonia Bridi. Ela e o marido, o repórter cinematográfico Paulo Zero, foram pioneiros ao instalar, entre 2005 e 2008, a primeira base da Globo no Oriente. É um registro dos bastidores do trabalho, das dificuldades cotidianas da família para se adaptar a uma cultura tão diferente e das mudanças aceleradas no gigante asiático.

O meu interesse por esta fascinante região me levou também até as obras da jornalista e escritora chinesa Xinran, que vive em Londres. O primeiro livro que li foi “As boas mulheres da China”, depois veio “Enterro Celestial”. Ambos mostram as profundas contradições que envolvem a condição feminina naquele país.

Em 2017 ela publicou “O que os chineses não comem”, uma coletânea de crônicas que saiu antes no jornal britânico The Guardian. Nele, Xinran traz reflexões sobre a realidade chinesa, os costumes, incluindo vivências pessoais, e mostra o dinamismo que sacudiu o país em todas as esferas em tão pouco tempo.

Bem, esta não é uma coluna de dicas de leitura. As obras de que falo me ajudaram a entender melhor o que aconteceu na China nestas poucas décadas de relações diplomáticas com o Brasil e a sua consolidação como segunda maior economia do mundo.

Em 2023, o PIB chinês fechou com US$ 17,7 trilhões e o do líder, os Estados Unidos, com US$ 26,94 trilhões. Esta análise da Austin Rating considerou 54 países e, na lista, o Brasil ocupou a 9ª posição, com US$ 2,17 trilhões, à frente de Canadá, Rússia e México.

A China vem mantendo forte o ritmo de crescimento. Foi de 5,2% no ano passado, enquanto que o do Brasil, de 2,9%. Os Estados Unidos tiveram crescimento percentual de 2,5%.

No balanço de 2023, as exportações brasileiras para a China representaram 30,7% do total e as importações, 23%. Em valores financeiros, as exportações chegaram a US$ 105,7 bilhões. Foi um marco, o maior valor de vendas para um único país. Já as importações de produtos chineses totalizaram US$ 53,159 bilhões.

Na lista do que o Brasil vende estão soja, minério de ferro, petróleo e carne bovina. E made in China compramos produtos manufaturados, eletrônicos e bens de consumo.

No destino dos produtos de Mato Grosso estão 93 países, com a China no topo. Em 2023, os embarques totais do estado somaram US$ 32 bilhões, dos quais US$ 11,8 bilhões foram para o mercado chinês. Na sequência, vieram Vietnã e Espanha.

Além das trocas comerciais, os chineses têm manifestado interesse em investir no Brasil nas áreas de infraestrutura, geração e transmissão de energia, ferrovia e portos e combustível sustentável para a aviação. E já iniciou as obras de uma fábrica de carros elétricos na região metropolitana de Salvador.

Outra área de atuação conjunta é a de nanotecnologia, com a criação, em 2012, do Centro Brasil-China de Pesquisa e Inovação em Nanotecnologia (CBC-Nano). A nanotecnologia manipula matérias de tamanho atômico e propicia a produção de materiais mais resistentes, fortes, com menor exigência de energia. No Brasil, os interesses envolvem a produção agrícola e a transformação de resíduos agrícolas, além de projetos ambientais.

E, desde a pandemia da Covid-19, as parcerias na área de desenvolvimento de vacinas e biológicos foram fortalecidas entre os dois países. Tanto que, recentemente, foi criado o Centro Sino-Brasileiro de Pesquisa e Prevenção de Doenças Infecciosas.

Para a prospecção de negócios, missões de empresários de Mato Grosso à China, e de chineses a Mato Grosso, têm sido regulares. O principal atrativo do estado é a enorme produção de grãos, fibras e carnes.

Ainda na fase de tratativas iniciais, Mato Grosso pode atrair uma indústria de produção de aminoácidos, provenientes do milho. Outra empresa de agroquímicos chinesa estuda a construção de uma indústria química no estado, um investimento que pode chegar a US$ 100 milhões. A empresa Sinomach também já visitou Mato Grosso para avaliar a possibilidade de investir na fabricação de ferramentas, equipamentos agrícolas e construção de infraestrutura.

A Cofco, empresa que já atua em Mato Grosso no esmagamento de soja e na fabricação de biodiesel, também já manifestou a intenção de ampliar os investimentos. A recente autorização de funcionamento da Zona de Processamento de Exportações (ZPE), em Cáceres, é vista como um facilitador do intercâmbio comercial entre os dois países.

Outro aspecto interessante do aumento dos laços bilaterais é o crescente interesse pelo aprendizado do mandarim. O Instituto Confúcio, que é ligado a uma agência governamental chinesa, estabelece escolas em universidades brasileiras. Somente na Universidade Estadual Paulista (Unesp) a língua já foi ensinada a 28 mil estudantes.

Aqui em Mato Grosso, foi firmada, em 2023, uma parceria entre a  UFMT e a Universidade Agrícola do Sul da China, que envolve a criação de um centro voltado para a língua e o desenvolvimento de ciência e tecnologia agrícola. Já estão sendo oferecidos cursos de extensão de mandarim e cultura chinesa, do qual podem participar, inclusive, pessoas de fora da comunidade universitária.

O estágio de relacionamento do Brasil e China desmistifica a ideia popular de que “um negócio da China” é algo muito vantajoso apenas para um lado. São parcerias entre países soberanos que devem se pautar por ganhos econômicos, financeiros e sociais para os dois lados.

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