COLUNA

Francisca Medeiros

francisca@ehfonte.com.br

Informações que unem o campo e a cidade.

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Operárias da biodiversidade

Um trabalho silencioso, essencial e pouco reconhecido, dentro e fora de casa. Não, o assunto hoje não é o trabalho doméstico feminino. O foco são as abelhas. E não só como produtoras de mel, mas pela vocação de polinizar plantas.

No grupo dos insetos, as abelhas têm a companhia de mariposas, vespas, borboletas, formigas e dos besouros na polinização. Entre os animais maiores, os pássaros cuidam de parte desta tarefa. Na dispersão de sementes e frutos, quem se apresenta na linha de frente são os morcegos.

Mas volto às abelhas, que têm a contribuição de destaque na reprodução das plantas e garantia da biodiversidade. O problema é que elas estão sob forte ameaça no mundo inteiro, muitas espécies foram extintas antes mesmo de serem conhecidas pela ciência.

No Brasil os cientistas dizem que cerca de 120 mil espécies de animais e 50 mil de plantas foram descritas e isso é apenas 10% da biodiversidade brasileira!

E é consenso entre os estudiosos que cerca de 90% das plantas com flores dependem de insetos polinizadores. A FAO estima que 75% das culturas que produzem alimentos dependem desta ajudinha externa. É o caso do café, cacau, maçã e tomate, só para dar alguns exemplos.

A ONU, inclusive, estabeleceu o dia 20 de maio como o Dia Mundial das Abelhas, em consideração à importância delas para a saúde humana e meio ambiente.

E quais são as principais ameaças a estes insetos tão parceiros? O desmatamento, as queimadas, as secas intensas, os agrotóxicos.

O alimento das abelhas está nas flores das plantas que oferecem pólen e néctar. Se diminuem as plantas, falta comida para elas. Menos plantas, menos abelhas, portanto. É dos rios e riachos que as abelhas retiram a água de que precisam. Com as secas extremas, fica cada vez mais longe e incerto encontrar essa água.

Na natureza, a interdependência é regra. A extinção de uma planta pode levar à morte de espécies específicas de abelhas que tinham nela a principal fonte de alimento. E se aquelas abelhas forem extintas, as plantas que dela dependem não vão florescer, nem frutificar direito e podem desaparecer também. E o impacto sobre muitos herbívoros viria também na forma de fome e morte.

Neste efeito dominó não é exagero o alerta dos especialistas para o risco da extinção de abelhas levar ao colapso da produção de alimentos em grande escala.

No Brasil já foi feito o cálculo do valor do trabalho incansável das abelhas na polinização. Ele gera economia de até R$ 50 milhões por ano à agricultura brasileira, conforme consta na Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.

No espaço da academia, da pesquisa, não há dúvida da urgência de salvar as abelhas. Na esfera da política pública federal, no Ministério do Meio Ambiente, foi montada uma força-tarefa responsável pelo Plano de Ação Nacional para a Conservação de Insetos Polinizadores Ameaçados de Extinção, que inclui também borboletas e mariposas.

O programa deve vigorar até 2027 e entre os objetivos estão reduzir o efeito dos agrotóxicos sobre os insetos, preservar a vegetação, combater incêndios e os impactos das mudanças climáticas.

Em uma reportagem recente sobre o assunto na Deutsche Welle Brasil, Bráulio Dias, diretor de conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do MMA, defendeu a criação de novas áreas protegidas para evitar o desaparecimento da fauna e flora brasileiras.

No campo, há muitas fontes de perigo para as abelhas. Quando contaminadas pelos agrotóxicos elas não conseguem voltar para as colmeias para ‘avisar’ onde estão as flores com oferta de néctar e pólen. E são frequentes os relatos da morte em massa destes insetos.

Em junho deste ano apareceram abelhas mortas de forma súbita em apiários de Sorriso e municípios vizinhos. Apicultores perderam colmeias inteiras e toda a produção de mel. O Instituto de Defesa Agropecuária (Indea) investigou e concluiu que a causa provável tenha sido o envenenamento pelo inseticida fipronil que foi detectado em todas as amostras colhidas. O produto foi lançado de avião numa lavoura de algodão.

Os estragos foram vistos em um raio de 30 quilômetros. A estimativa do Indea é que mais de 100 milhões de abelhas tenham sido dizimadas. O proprietário da fazenda foi autuado em R$ 225 mil. O relatório do Indea foi enviado para SEMA, MPE-MT e Crea-MT para as providências legais. E novos episódios de mortandade massiva de abelhas continuam vindo à tona. Dois estão atualmente sob crivo do Indea, um em Sinop e outro em Guarantã do Norte.

Se há desrespeito à legislação e à vida, também há muita gente atenta, plantando espécies de plantas melíferas, protegendo a água e optando por produtos menos tóxicos para os insetos.

A apicultura é mais comum na agricultura familiar, mas também há produtores de grande porte atentos às condições ambientais para manter estes insetos saudáveis e ativos. São projetos de apicultura em que mel, própolis e cera não são o principal objetivo. O que mais se busca é tornar a polinização das plantas mais eficiente, seja nas lavouras comerciais ou nas reservas legais.

Um exemplo aqui no estado é do Grupo Franciosi, com sede em Tangará da Serra, que cultiva mais de 80 mil hectares de soja, algodão e outras culturas em Mato Grosso e outros estados. O grupo dedica uma atenção especial ao projeto piloto de aproveitamento da reserva legal com colmeias próprias, que são levadas para a polinização das flores de girassol nos momentos certos.

Saindo do campo e indo para a cidade, há um projeto de educação ambiental na Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) que divulga, para a comunidade em geral e para crianças nas escolas, a importância dos polinizadores. O título é longo e autoexplicativo: “Hotel de Polinizadores: tornando as áreas urbanas amigáveis para abelhas e vespas”. Pequenas estruturas de madeira com perfurações são instaladas em áreas verdes e escolas públicas. Elas servem de abrigo para que estes insetos construam os ninhos em paz.

Se as abelhas não podem cobrar pelos serviços ambientais que prestam, então devemos garantir o direito à sua existência. Cabe a nós, humanos, protegê-las em sua vulnerabilidade. E, como vimos, quem mais se beneficiará com isso seremos nós mesmos.

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