COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

Banner
Banner

Sou de MT, moro em MT

 

Sempre que posso, quando leio ou escuto alguém se referir a Mato Grosso usando o famigerado artigo o, aviso à pessoa que cometeu um erro. Tenho comigo essa tarefa que realizo por conta do Jornalismo e da docência.

Corrijo amigos e moradores de Cuiabá e dos municípios das diferentes regiões mato-grossenses. Também colegas da mídia, visitantes da capital, além de habitantes de cidades brasileiras pelas quais viajo.

O certo é sou de Mato Grosso, moro em Mato Grosso, venho de Mato Grosso, vou para Mato Grosso, simples assim. O errado é sou do Mato Grosso, moro no Mato Grosso, venho do Mato Grosso ou vou para o Mato Grosso.

Explicar isso significa defender a cultura mato-grossense. Não é purismo nem tampouco bairrismo. Na Moderna Gramática Portuguesa, Bechara afirma – “Entre nós, dispensam artigo o nome dos seguintes estados: Alagoas, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Pernambuco e Sergipe”.

O jornalista e Mestre em Estudos Linguísticos e Literários Edelson Santana disse à coluna que, do ponto de vista gramatical, “esse é um ponto pacífico – os gramáticos são unânimes ao prescreverem que o nome Mato Grosso não aceita artigo”.

E Germano Aleixo Filho, professor de Língua Portuguesa da UFMT, ensina o seguinte -“qualquer que seja o contexto, use Mato Grosso despido do artigo. Proceda assim e ponto final”.

Mas esse é um erro recorrente não é de hoje. Há tempos em que recrudesce e outros em que diminui, mas nunca desaparece do radar. Nesse vai e vem, o assunto fica mais confuso nos tempos atuais por causa da acessibilidade à internet e da popularização das redes sociais.

O ambiente digital proporciona a ampliação, não só regionalmente, mas por toda parte do país, do uso do celebrado artigo ao se referenciar a Mato Grosso. Isso se percebe na fala de uma pessoa comum, de um político, de uma autoridade, e também na escrita, por meio de títulos e de textos postados em grupos/comunidades da internet no geral.

Edelson Santana não tem dúvida que as redes sociais amplificam essa linguagem errada. “As redes desconhecem limites, inclusive os linguísticos. Apesar dos milhares de perfis dedicados às regras gramaticais, a língua está sujeita ao repertório cultural de seus usuários”, disse.

Em razão disso, ele frisou que, “enquanto comunidade linguística, a dos falantes mato-grossenses, cabe a nós defendermos o nosso patrimônio linguístico, por questão de pertencimento, de identidade”.

Porém, Santana destacou que “a forma que prevalece (e permanece) é a que demonstra mais força nesse embate político”. Na oralidade, um exemplo disso são as formas do linguajar cuiabano, que, no correr dos anos, foram estigmatizadas e tratadas com preconceito, e hoje sobrevivem apenas entre a população mais tradicional”.

No quadro atual, outra parte fundamental nessa generalização do uso equivocado do artigo ao citar Mato Grosso, a mídia nacional, considerando sua importância, talvez seja a que tem mais visibilidade na repetição do erro. Nos veículos digitais, e até nos impressos, é frequente exibir títulos e textos noticiosos do estado com o famoso artigo o.

Esse “vício de linguagem” não é um costume novo. Ganhador de prêmios Esso de Jornalismo, Licenciado em Letras Clássicas, o jornalista Marcos de Castro, já falecido, em seu livro A Imprensa e o caos na Ortografia (1999) apresenta um pequeno dicionário do que chama de ‘batatadas’ (erros, enganos e absurdos) da imprensa.

Entre as ‘batatadas’ apontadas por Castro, nas páginas 190, 191 e 192 de sua obra, está a forma de escrever “do Mato Grosso”, “no Mato Grosso” e quem fala assim em televisão e rádio. “Não encontramos em um único bom autor o artigo a compor com a preposição a regência do nome do estado de Mato Grosso”, alerta ele em seu livro.

Por uma questão de justiça, no entanto, deve-se pontuar que a mídia regional, principalmente a de Cuiabá, ao contrário da nacional, não comete essa “batatada” nos seus títulos, roteiros, textos e demais etapas do processo técnico de produção noticiosa.

Agora, se a fonte da informação, o entrevistado, ou protagonista do acontecimento fala, ou cita Mato Grosso de forma incorreta, às vezes ao vivo, aí o jornalista não pode interferir nessa participação e o erro segue seu curso.

O jornalista Edelson Santana, que atua também na revisão de textos, sublinhou que “não concorda que tenhamos que aceitar ‘o Mato Grosso’, pois isso afeta a nossa identidade”.

Ele disse compreender que a língua é viva e sujeita a mudanças no curso da história, reconhecendo ainda que “há uma grande força favorável ao uso do artigo, representada pela mídia nacional e pelo alto percentual de pessoas que vieram para cá nas últimas décadas (não se controla a língua em uso)”.

Talvez mais adiante tudo isso, inevitavelmente, possa levar à incorporação do artigo “o” antes do nome, assinalou Santana. “Porém, enquanto isso não acontece, é possível resistir”, sugeriu.

De minha parte sigo nessa resistência. Mas a luta é árdua!

 

*Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte

Compartilhe

Assine o eh fonte

Tudo o que é essencial para estar bem-informado, de forma objetiva, concisa e confiável.

Comece agora mesmo sua assinatura básica e gratuita: