COLUNA

Adriana Mendes

adrianam@ehfonte.com.br

Informações de política, judiciário e meio ambiente.

Banner
Banner

Tragédia da sociedade

O trabalhador Sebastião de Almeida Barbosa perdeu três dedos em um acidente com uma máquina de um sítio na zona rural de Cáceres, em agosto de 2021. Resgatado de condições análogas à escravidão pela Auditoria Fiscal do Trabalho, a Justiça Federal aplicou uma indenização de R$ 150 mil. No entanto, o processo pode se arrastar na Justiça.

No sítio, além de todos os problemas trabalhistas como não ter carteira assinada, equipamentos de proteção, o trabalhador contou aos fiscais que os empregadores “trancavam a porta do lado de fora” e, se precisasse sair, tinha que pular a janela. Barbosa também revelou que era discriminado por ser portador do vírus HIV. Recebia na época R$ 30 por dia, valor abaixo de um salário-mínimo.

Após o acidente, a burocracia o levou a viver na rua. Analfabeto e incapaz de assinar o próprio nome, Sebastião não possuía CPF. A liberação do seguro-desemprego foi a primeira batalha judicial, após a 9ª Vara Especial Cível de Cáceres negar o pedido. A Defensoria Pública da União interveio, garantindo três meses de benefício. Atualmente, Sebastião vem recebendo assistência social.

No Brasil, o número de trabalhadores em condições análogas às de escravo ainda é preocupante e mostra a importância da fiscalização. O município de Confresa (MT) lidera o ranking de cidades com a maior quantidade de resgatados, um total de 1.393 trabalhadores, desde 1995. No ano passado, foram 3.190 trabalhadores resgatados no país, o maior número em 14 anos.

No caso de Sebastião, o Ministério Público do Trabalho solicitou em abril de 2023, em uma ação civil pública, a condenação dos empregadores por irregularidades trabalhistas e por dano moral coletivo. O juiz Anésio Yssao Yamamura, da Vara Trabalhista de Cáceres, reconheceu as provas de exploração e determinou o pagamento de R$ 50 mil por dano moral coletivo, destacando que “foram violados valores de uma sociedade” que merecem reparos.

O procurador Rafael Cavalcanti, do Ministério Público do Trabalho, diz que a ação ajuizada pelo MPT tem como objetivo garantir que casos como esses não voltem a acontecer. “O processo ajuizado pelo MPT já transitou em julgado, isto é, em razão de o réu não ter recorrido após a sentença, o processo já foi finalizado. No momento, estamos na fase de atualização monetária dos valores frutos da condenação”, explicou.

A Defensoria Pública da União também ajuizou uma ação trabalhista visando a indenização individual de Sebastião, incluindo o reconhecimento do vínculo empregatício, verbas trabalhistas e indenização pelo acidente. Nesta ação, o juiz Yamamura arbitrou o pagamento de R$ 100 mil por danos decorrentes do trabalho análogo à de escravo e R$ 50 mil pelo acidente de trabalho. Por outro lado, o juiz também concedeu aos réus o benefício temporário de justiça gratuita “até que sobrevenha prova da suficiência financeira”.

Neste processo, o advogado Ledson Catelan, defensor dos proprietários do sítio, Luiz Arruda e Maria Arruda, vai entrar com uma ação rescisória, pedindo anulação da sentença. Segundo ele, as provas são “inconclusivas e ilegais” e há uma narrativa controversa. Catelan alega que a família não tem como arcar com os pagamentos para o trabalhador, porque o proprietário recebe um salário-mínimo de aposentadoria.

“Eles são assentados ali, a terra é do Incra. O máximo que pode acontecer é a terra voltar para o Incra ou ele pagar com uma parte do salário-mínimo que recebe”, afirmou. O problema é que se o réu não tem propriedade, dificilmente o trabalhador receberá algo. Infelizmente, isso acontece com certa frequência.

Renan Vinicius Sotto Mayor, defensor federal de direitos humanos em Mato Grosso, avalia que o caso é complexo, sendo necessário também cuidado para não expor o trabalhador. A DPU irá batalhar agora para a execução do valor definido para a indenização.

Atuações como esta são importantes para demonstrar que este tipo de exploração não pode continuar e será alvo de responsabilização. É preciso mais orientação e fiscalização.

“Foi uma das situações mais pesadas que eu atuei. Muito complexo, um dos casos que mostra a tragédia de nossa sociedade”, conclui o defensor.

Compartilhe

Assine o eh fonte

Tudo o que é essencial para estar bem-informado, de forma objetiva, concisa e confiável.

Comece agora mesmo sua assinatura básica e gratuita: