Um nome é mais que uma palavra
Um projeto de lei federal prevê que as escolas públicas rurais, indígenas e quilombolas devem ter autonomia para escolher os seus nomes. E mais que isso: que estes nomes tenham ligação com as comunidades, que façam sentido para quem vai carregá-los. É algo simples, óbvio, não é? Deveria ser, só que não.
As escolas, assim como ruas, praças, viadutos, prédios públicos e até cidades são usados para enaltecer figuras públicas, seus parentes e amigos, ideologias que se querem hegemônicas. Mais do frear o ímpeto narcisista de quem está no poder, ou gravita ao redor dele, existe a preocupação de que, por vezes, entre os homenageados estão pessoas que desrespeitaram os direitos humanos.
Já existe legislação para cercar um pouco essa questão. A Lei 6.454/1977 inicialmente proibia dar nome de pessoa viva a bem público da União ou da administração indireta. Em 2013 ela foi alterada para ampliar a proibição, incluindo os nomes de pessoas ligadas ao uso e/ou defesa de mão de obra escrava, que tenham cometido atos de lesa-humanidade, de tortura ou de violação dos direitos humanos.
Além do nome de pessoas, na prática, tenta-se incluir eventos e movimentos nesta proibição. Em Cuiabá, o nome da Avenida 31 de Março foi resgatado por lei no final dos anos 1980 para o original Lava-pés. Em 2015 mudou de novo para homenagear, com justiça, José Monteiro de Figueiredo, o Doutor Zelito, um médico, desportista, pecuarista e político mato-grossense. Em Várzea Grande, porém, o dia inaugural do golpe de 1964 continua eternizado na Avenida 31 de Março.
Aliás, Várzea Grande não está sozinha nisso. No Brasil, conforme levantamento dos Correios feito a pedido do G1, no ano passado havia 179 logradouros “31 de Março”. Sob os quatro anos Bolsonaro, o número subiu 35%.
Há dez anos, quando dos 50 anos do golpe militar, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) desenvolveu a campanha “Apague a ditadura da sua escola”. Um levantamento da época mostrava que mais de 700 escolas brasileiras tinham nome de presidentes do período da ditadura.
O site “Ditamapa”, um projeto de pesquisadores da USP e da Unesp, mostra que todos os estados brasileiros possuem locais públicos que fazem referência a autoridades que integraram o regime militar. Em uma entrevista à CNN Brasil a pesquisadora Giselle Beiguelman avaliou que “o que está por trás desses processos de nomeação é uma história de poder, das narrativas oficiais que, via de regra, apagam as dissidências e as histórias contra-hegemônicas”.
Voltemos à proposta de autodeterminação das escolas públicas rurais, indígenas e quilombolas na escolha – e mudança, se for o caso – de seus nomes. A iniciativa do PL 3148/23 é de Célia Xakriabá (PSOL-MG), primeira deputada federal indígena a ser eleita por Minas Gerais.
Na justificativa do projeto é dito que o objetivo é buscar “reparar historicamente uma injustiça, vez que muitos prédios públicos do Brasil ainda carregam nomes de pessoas que foram algozes dessas populações”.
A proposta prevê que a mudança deve ser assegurada com a participação das comunidades envolvidas. E que “deverá estar de acordo com as tradições, as lideranças, as autoridades, as figuras históricas e os demais aspectos culturais que representam as comunidades”. No caso dos indígenas, deve estar conforme “as suas línguas, cosmovisões, modos de vida e tradições”.
Na Câmara o projeto foi relatado pela deputada Daiana Santos (PCdoB-RS) e já seguiu para o Senado, onde recebeu voto favorável do relator, o senador Fabiano Contarato (PT-ES). Já foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e segue para análise da Comissão de Educação.
Uma iniciativa com tal dimensão cultural merece a nossa atenção e de nossos representantes no parlamento. Ela devolve às comunidades o protagonismo de suas escolhas, especialmente numa área tão importante e transformadora como é a educação.
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