A balbúrdia da suspensão do plano safra

Foto: Mapa
A decisão do Tesouro Nacional de suspender novos contratos de financiamento do Plano Safra com subvenção do governo federal a partir da última sexta-feira (21) provocou a reação imediata de entidades do agro e a troca de farpas entre o governo e o setor. O Tesouro explicou que, com a forte elevação da Selic, houve aumento relevante dos gastos, ao que as entidades responderam que faltaram planejamento e compromisso do governo com o segmento.
Após o anúncio do Tesouro, pipocaram notas públicas das entidades do agro e críticas ácidas dos dois lados. Algumas notas falaram de “falta de responsabilidade fiscal” e “incapacidade de gestão dos gastos públicos” e todas cobraram a retomada imediata dos financiamentos, alertando sobre o risco de comprometimento da safra de grãos e da segurança alimentar da população. As linhas para custeio da agricultura familiar foram mantidas.
O governo lembrou que se ainda não há orçamento é porque o Congresso Nacional não fez o dever de casa de votar a lei orçamentária de 2025. E, pela regra, sem esta aprovação, o pagamento das despesas obrigatórias fica restrito a somente 1/12 avos dos valores executados no ano anterior.
Em um cenário em que o custo para tomar dinheiro no mercado só aumenta, o Plano Safra ganha importância estratégica. No país, dos mais de R$ 476 bilhões anunciados no plano – tanto empresarial quanto familiar -, R$ 133 bilhões poderiam ser tomados em linhas com equalização de juros, nas quais o Tesouro banca a diferença entre o custo do dinheiro no mercado (que aumenta com a subida da Selic) e o que chega ao produtor lá na ponta, com taxas mais baixas.
Emergencialmente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, garantiu um fôlego com o anúncio da edição de uma Medida Provisória que prevê a suplementação de R$ 4 bilhões para a retomada das contratações de crédito rural a taxas subvencionadas para honrar a equalização dos juros, enquanto se aguarda a votação da peça orçamentária. O crédito extraordinário, segundo o governo, está dentro do arcabouço fiscal e pode ser usado imediatamente. Essa MP, que deve ser publicada ainda hoje (24), tem validade de 180 dias.
Esta não é a primeira vez que houve suspensão de contratos do Plano Safra durante a execução dele. Por problemas de dotação orçamentária, em 2022, durante a gestão da ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina, houve descontinuidade dos contratos por três meses. A solução definitiva para o impasse de agora é a aprovação da Lei Orçamentária.
Trazendo o tema para Mato Grosso, para entender melhor o peso de cada fonte de financiamento na agricultura no estado e do aumento da importância do Plano Safra na composição dos recursos financeiros que viabilizam a produção agrícola, recorro ao Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) que faz estudos regulares sobre o assunto.
Uma análise recente sobre a soja foi divulgada em dezembro passado. O Imea estimou que para custear o cultivo de 12,6 milhões de hectares da atual (24/25) safra mato-grossense de soja era necessário o aporte financeiro de R$ 50,27 bilhões no total.
E de onde vêm estes bilhões para a compra de sementes, fertilizantes, inseticidas e pagamento de mão-de-obra? Vêm de diferentes fontes: do próprio agricultor, das multinacionais e revendas, do sistema financeiro e do governo federal que reserva recursos dentro do Plano Safra em condições mais atrativas do que as de mercado.
A participação de cada agente e esta composição (funding) muda de acordo com o comportamento das safras mundiais, condições de crédito e taxas de juros, por exemplo. No cenário atual de juros crescentes, o crédito subvencionado, menos caro para o produtor, torna-se um verdadeiro objeto de desejo.
Vamos aos detalhes da fotografia mais atual desta cesta de financiadores do custeio da soja mato-grossense. Neste ciclo 24/25 participam quase com a mesmo volume as multinacionais (R$ 15,55 bi) e o sistema financeiro (R$ 15,33 bi), com as linhas de crédito próprias dos bancos. E têm aportes parecidos o bolso do agricultor (R$ 7,88 bi) e as revendas (R$ 7,14 bi).
Agora o foco é na parcela oferecida pelos bancos que operam com os recursos federais controlados, aqueles atrelados ao Plano Safra. A previsão era que seriam contratados cerca de R$ 4,37 bilhões, mais que o dobro da safra 23/24, que somou R$ 2,06 bilhões. Aquele ciclo foi fortemente marcado por problemas climáticos que resultaram em uma produtividade menor, tudo agravado pela queda dos preços do grão.
Em razão disso, os produtores se descapitalizaram e diminuiu a capacidade de bancar do próprio bolso as demandas para colocar de pé mais uma safra. Se em 23/24 esta fatia específica foi de R$ 15,8 bilhões, ela foi reduzida à metade na atual, com R$ 7,88 bilhões. Em resumo, aumentou a dependência de financiamentos externos, o que foi impulsionado também pelo fato de que as multinacionais e revendas estão mais comedidas em financiar.
Sem dúvida, este assunto tem potencial para gerar muita discussão e disputas pela frente. Afinal, ainda faltam quatro meses de execução do atual Plano Safra até iniciar outro ano agrícola, que requer um novo planejamento e intensas negociações em um ambiente politicamente conturbado e com margens de manobras econômicas mais estreitas.
Em especial, as bancadas ruralistas, que são fortes e articuladas na Câmara e no Senado, devem fazer ainda muito barulho. O orçamento que deveria ter sido aprovado no ano passado, não tem data certa para votação. Parece que o jeito é mesmo esperar o Carnaval passar. Afinal, as agendas de muitos políticos não seguem o calendário e não têm o mesmo ritmo da urgência da população.
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