COLUNA

Francisca Medeiros

francisca@ehfonte.com.br

Informações que unem o campo e a cidade.

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A dengue e o verde

Por muito tempo se fez ligação entre a presença de vegetação com a incidência do mosquito da dengue e outros insetos nocivos à saúde humana. Muita gente se livrou de árvores, gramados e vasos de plantas e investiu no cimento para impermeabilizar quintais, calçadas e espaços públicos. A crença era que este ambiente asséptico manteria o inseto longe e as pessoas protegidas. Mas isto é um equívoco que a ciência tem trabalhado para esclarecer e para apontar soluções.

Um destes trabalhos foi feito por quatro universidades, sob coordenação da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Foram avaliadas as temperaturas do inverno e verão em algumas cidades mineiras ao longo de mais de 50 anos e constatou que a invasão do mosquito Aedes aegypti na década de 1980 se deu principalmente em anos de invernos mais quentes. E a invasão nos invernos, cada vez mais quentes, continua, agora em cidades montanhosas no sul de Minas.

O estudo concluiu também que as matas, ao contrário do senso comum, ajudam no combate ao Aedes aegypti. O professor Sérvio Pontes Ribeiro, coordenador do trabalho, diz que o mosquito nem se instala numa área florestal e que só se estabelece em ambientes desequilibrados, com menos predadores.

Ele explica que as matas fragmentam a população do mosquito e têm um efeito de dissolução. E recomenda o reflorestamento dentro e ao redor das cidades com a criação de corredores verdes. Estas faixas contínuas atraem pássaros e outras espécies de mosquitos que não são transmissores de doenças e que competem com o Aedes.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) já alertou sobre a relação do aumento das temperaturas com o ataque do inseto em locais mais altos. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) também emitiu um alerta sobre o aumento das arboviroses em decorrência das mudanças climáticas e do El Niño. As arboviroses são doenças virais transmitidas por insetos e carrapatos.

A previsão é de aumento de 20% na infecção pelo vírus da dengue, zika e chikungunya nos próximos 30 anos devido à crise do clima. E deve atingir regiões mais frias, como o Sul do Brasil e da Europa, conforme estudo divulgado pela Universidade de Michigan (EUA).

O padrão usual das pesquisas era associar calor e chuva com a proliferação do mosquito, mas isso está mudando. O pesquisador da Fiocruz, Christovam Barcellos, observa que a seca também produz a doença. Na estiagem, as pessoas armazenam água em casa e acabam trazendo o mosquito para mais perto.

Com mais conhecimento, o desejável é a adequação das ações para o enfrentamento do problema. Árvores, folhas, gramados, sombras, por si sós, não são problemas sanitários urbanos. Já o desmatamento, o lixo exposto, a falta de saneamento e de drenagem, a desorganização e descuido com os espaços, sim.

O Aedes aegypti se adapta muito bem ao interior da casa e à vida doméstica. É só ver os dados do Ministério da Saúde: 74,8% dos criadouros estão nos domicílios, em recipientes que acumulam água. São vasos e pratos de plantas (não é a planta o problema…), garrafas, calhas, recipientes de degelo em geladeiras, bebedouros, sanitários, canos, caixas d’água, tambores etc.

Outros 22% dos criadouros estão em depósitos elevados para armazenamento de água (caixas, tambores, depósitos de alvenaria) e no nível do solo (tambores, barris, cisternas, poços). Os depósitos de pneus e de lixo têm 3,2% dos focos.

Que o combate à dengue é responsabilidade de todos, não há dúvida. Aos governos cabe, talvez, fazer campanhas de esclarecimento mais assertivas. Além da capacitação de servidores, de manter estoques adequados de inseticidas, de testes diagnósticos, da estruturação da rede de tratamento.

A vacina traz esperança de uma vida sem dengue, mas que ainda demora para chegar a todos. Aqui no Brasil, neste ano, serão 1,32 milhão de doses fornecidas pela fabricante, além de outras 5,2 milhões compradas pelo governo federal e que vão chegar, aos poucos, ao longo deste ano. Para 2025, foram compradas 9 milhões de doses.

Enquanto isso, aumenta a responsabilidade individual diante da previsão de que um surto gravíssimo de dengue se aproxima. O ano está no início e o Brasil já registrou mais de 262 mil casos prováveis de dengue, com 29 mortes e outros 173 óbitos em investigação. Em Mato Grosso, até ontem (4), eram 1974 casos prováveis, uma morte por dengue e três em investigação.

A proximidade da natureza é benéfica, o necessário é que sejam adotados os cuidados já conhecidos de prevenção e entre eles não está se livrar do verde.

E é na natureza que muitos estudiosos têm buscado soluções de combate à doença. A Universidade Comunitária de Chapecó (SC) investiga, por exemplo, quais plantas são capazes de afastar o mosquito. Três já se revelaram promissoras: unha de gato, casca d’anta e o crisântemo. O óleo extraído das duas primeiras mostrou efeito larvicida e o do crisântemo, com odor desagradável, repele o mosquito. São resultados preliminares, que ainda não foram revisados por outros especialistas antes da publicação em revista científica, mas que apontam rumos.

E, como reforço para nossas casas, há uma lista grande de plantas estudadas pelo potencial de repelir o mosquito. O efeito é temporário e o ideal seria que o mosquito não chegasse à fase adulta, mas podem ser associadas às demais medidas de prevenção e combate. Na lista estão alecrim, cravo-de-defunto, citronela, funcho, lavanda, louro, manjericão, melissa, orégano, sálvia, verbena.

Ter estas plantinhas por perto, em último caso, garante tempero fresco, chazinho, muita cor e beleza. E ajuda a manter a saudável relação de se observar e cuidar da natureza.

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