O Sagrado e o Profano
Mario Medeiros Neto*
Muito se falou sobre a inviolabilidade da comunicação entre advogados e seus clientes esta semana.
Em evento oficial do estado de Mato Grosso, o chefe do Ministério Público Estadual sugeriu a relativização do sigilo entre clientes e advogados, creditando a isso parte das mazelas da segurança pública. Fala avalizada pelo governador do estado no dia seguinte.
Sem entrar na discussão sobre a absoluta incompetência do Estado que, com todo o seu aparato, não é capaz de impedir a utilização de telefones celulares nos presídios, onde funcionam verdadeiras empresas de call center do crime, aplicando golpes e trocando informações por todo o país, a referida manifestação procura colocar sobre os ombros de quem não tem a responsabilidade a própria culpa de sua ineficiência e acaba ofendendo o exercício de uma profissão essencial para a Justiça e a Democracia Brasileira.
A inviolabilidade da comunicação entre advogados e clientes foi amplamente destacada e defendida após a covarde ofensa do Sr. Procurador-Geral de Justiça. Ainda que não prontamente por aqueles presentes no momento da fala, e que têm a obrigação de fazer isso e não fizeram, a defesa da garantia dessa comunicação foi feita depois, por meio de notas de repúdio, artigos e representações aos órgãos competentes, por diferentes autoridades.
E aqui não se quer chover no molhado, dizer o que já foi dito por pessoas com competência para tanto. O que se pretende é discutir a importância do sigilo da comunicação entre os advogados e seus clientes pelo prisma daquele que mais importa para a lei – o cidadão.
É importante destacar isso, pois a lei é criada na defesa do cidadão. Isso desde a Constituição de 88, que colocou o cidadão como principal destinatário das ações do Estado. O Estado existe para servir e proteger o cidadão, e não o contrário.
Ao sugerir que as conversas com os advogados fossem gravadas, o exmo. PGJ ofende direito fundamental do cidadão, qual seja, o direito de poder contar, sem medo de represálias, tudo o que sabe sobre os fatos que lhes imputam responsabilidade, garantindo assim que o profissional, sabedor de todas as circunstâncias, possa efetuar a melhor defesa técnica do cidadão.
Não se enganem. A defesa de um cidadão contra todo o aparato estatal é uma tarefa de Davi contra Golias. O Estado investiga (policiais), acusa (Ministério Público) e julga (Poder Judiciário). O cidadão tem ao seu lado, para lhe defender, seja de acusações ou processos injustos, apenas o advogado.
Ter a segurança de que pode confiar e contar tudo o que sabe para o seu advogado, sem que isso possa ser usado contra você a qualquer tempo é condição mínima para a defesa do cidadão.
Sigilo e segurança são direitos antigos que remetem até mesmo a antes da Justiça como a conhecemos atualmente. Desde a Roma Antiga, com a Deusa Tácita, passando pelo sacramento da confissão, a garantia do sigilo na busca pela absolvição é garantia sagrada.
É função do Estado apurar e punir o erro tanto quanto defender o que é direito e sagrado. Não se ataca o sagrado por conta do que é profano, senhores procurador e governador.
*Mario Medeiros Neto é advogado.
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