COLUNA

Francisca Medeiros

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Informações que unem o campo e a cidade.

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Enquanto Cuiabá perde árvores, Campo Grande e Sabará colhem sombra

 

No Brasil há um dia dedicado à árvore, 21 de setembro, no início da primavera. Há países em que esta celebração, o Arbor Day, é até feriado. Com temperaturas em alta, chuvas de menos e concreto a perder de vista, a arborização tem ocupado, naturalmente, papel central para que as cidades se adaptem a tantos desafios. E vale se inspirar em experiências em que as políticas públicas conseguiram resultados positivos a favor do bem-estar coletivo.

O título da coluna contempla duas cidades que têm colhido benefícios a partir da decisão política de garantir maior presença de árvores em espaços públicos e privados. Sabará, uma cidade mineira que tem mais de 300 anos, virou uma chave da economia por meio de uma árvore tradicional. E a capital sul-mato-grossense comemora a conquista, por seis anos seguidos, da certificação da Organização das Nações Unidas Para Alimentação e Agricultura (FAO) de Tree City of the World (Cidade Árvore do Mundo).

Campo Grande está entre as cidades que se esforçam para manter e manejar de forma sustentável as árvores e florestas urbanas. Cuiabá, infelizmente, nunca figurou neste rol. Na última edição da certificação internacional, no mês passado, foram reconhecidas 20 cidades brasileiras, a maior parte delas em São Paulo e no Paraná. Campo Grande era a única do Centro-Oeste.

E antes de explicar qual a tarefa de casa de uma cidade que queira obter esta certificação, conto porque a mineira Sabará me provoca uma certa inveja. Lá, um projeto simples e criativo colocou a jabuticabeira numa condição privilegiada de ser sombra e fonte de alimento e de renda. Desde 1982 quem mantém essa planta bem cuidada e produtiva tem desconto no IPTU. O desconto é de 5% por árvore – o limite da concessão do benefício é de 5 árvores por contribuinte. Ou seja, o desconto pode chegar a significativos 20%.

A iniciativa deu tão certo que, além dos benefícios ambientais diretos, foi desenvolvida uma cadeia econômica em torno da jabuticaba. A ponto de já terem sido mapeados mais de 150 negócios em torno dessa planta genuinamente brasileira.

Cerca de 1.800 famílias são beneficiadas com o desconto de IPTU. O incentivo estimulou mais investimentos nas plantas e as colheitas melhoraram. Ficou difícil para as famílias darem conta de toda a produção, até porque a colheita se concentra em apenas duas semanas.

Para dar vazão aos excedentes, com o espírito empreendedor aguçado, os donos de jabuticabeiras começaram a “alugar” os pés carregados de frutos maduros para quem topasse comer in loco e ainda quisesse levar um pouco para casa.

O movimento evoluiu para a criação de um festival inteiro dedicado à jabuticaba, evento que já atrai mais de 100 mil pessoas por edição, no mês de novembro. São turistas atraídos pelo fruto in natura, doces, licores e uma enorme gama de produtos. Até a casca e o caroço servem para a fabricação de doces, o que elimina resíduos ao fim do processo.

O festival tornou-se Patrimônio Histórico e Cultural e a jabuticaba foi reconhecida como Patrimônio Imaterial de Sabará. Este é um caso em que se alinha a tradição – há pés com mais de 150 anos – com uma política pública capaz de criar oportunidades reais.

Deixo Sabará para voltar à iniciativa da FAO que reconhece cidades que adotam medidas efetivas que as tornam mais verdes, propiciando melhor qualidade de vida para a população. Entre os critérios exigidos estão a definição de responsabilidade, criação de regras, execução de inventários e alocação de recursos específicos para projetos robustos de arborização.

Na definição de responsabilidade normalmente é criado um departamento municipal para o cuidado com as árvores. Também é necessária uma legislação específica que, inclusive, precisa descrever como o trabalho deve ser executado, do plantio às podas técnicas.

Com levantamentos e avaliações sempre atualizados as cidades podem criar planos de longo prazo de plantio, preservação e remoção das árvores da cidade. E, para isso, é preciso ter orçamento anual exclusivo para implementar o plano de manejo.

Além da arborização de ruas e praças, o plano deve prever um sistema de parques e áreas verdes, áreas de preservação permanente, a preservação de remanescentes de vegetação nativa e a criação de bosques. Tudo elaborado com bases técnicas. E para que a coisa vá para frente é preciso envolver a comunidade por meio de campanhas permanentes de conscientização.

Campo Grande tem um Plano Diretor de Arborização Urbana desde 2011 e, para sua implementação, houve a preocupação com a capacitação de técnicos. Muitas ruas centrais receberam centenas de árvores e o resultado pode ser visto, por exemplo, na Avenida 14 de Julho, uma área comercial bem arborizada, onde os negócios não brigam com o verde.

Cuiabá ainda não tem um Plano Diretor de Arborização Urbana que oriente o setor público e o privado. Há uma previsão dele dentro do Plano Diretor, que também ainda não saiu do papel. Existe um decreto municipal (5144/2012) que cria normas para orientar os trabalhos do poder público municipal e de particulares quanto ao plantio, distanciamento e as espécies indicadas. Mas nada de forma ampla e articulada, que possa mudar a feição da cidade.

Por iniciativa do Poder Judiciário, desde 2017 está em curso um programa que estimula o plantio de mudas. É o programa Verde Novo, que, por meio do Instituto Ação Verde, mobiliza a sociedade para o plantio e manutenção das árvores nas áreas urbanas da capital. Cerca de 220 mil mudas já foram distribuídas e plantadas.

Há estudos que indicam a relação do número de habitantes com o número de árvores ideal para garantir um ambiente saudável. Uma dica prática, chamada de Regra do Três, indica que pelo menos três árvores devem ser vistas da janela de cada um de nós. Depois da saída de casa vale a relação 30/300: cada bairro deve ter no mínimo 30% de área verde e ninguém deve caminhar mais de 300 metros sem encontrar a área verde pública mais próxima – uma praça ou um parque.

E aí, o que você vê da sua janela? Com raríssimas exceções, imagino que o que se sente nos olhos e na pele é a falta de mais verde. Gosto da ideia defendida pelo jornalista americano Sterling Morton quando propôs, no longínquo ano de 1872, a criação de um dia dedicado à árvore para encorajar o plantio e a proteção da cobertura vegetal. O argumento dele foi definitivo: “Outros feriados repousam sobre o passado, o Dia da Árvore propõe o futuro”.

Torço para que até o próximo 21 de setembro muitos gestos individuais, coletivos e de governo já tenham garantido um presente e um futuro melhores com um horizonte bem mais cheio de árvores.

*Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte

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