COLUNA

Adriana Mendes

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Jardim climatizado e o fim da arquitetura original do Palácio Paiaguás

Marcos Vergueiro/Secom-MT

A cada revelação sobre a reforma do Palácio Paiaguás fica evidente o desprezo pelo projeto original do arquiteto Moacyr de Freitas. A nova proposta é climatizar o jardim interno do Palácio, um espaço concebido justamente para ser uma área de transição, respiro e integração com o ambiente aberto.

Um relatório da MT Par, publicado no Diário Oficial de Mato Grosso, aponta a climatização do Paiaguás como fundamental para aprimorar a qualidade térmica e tornar o local mais convidativo para servidores e visitantes. Consta que o projeto foi encaminhado à Casa Civil para licitação em novembro de 2024. Procurada, a assessoria não respondeu aos questionamentos da coluna.

“Com o clima característico de Cuiabá, a climatização adequada permitirá maior aproveitamento do local, tornando-o mais convidativo tanto para servidores quanto para visitantes”, diz o texto publicado. A justificativa é criticada por especialistas.

O arquiteto José Roberto Andrade, professor de projetos do curso de Arquitetura da UFMT, alerta para a perda do conceito de transição de espaços — a lógica que norteava o desenho original do projeto. “É o desrespeito do desrespeito”, desabafa.

O que foi pensado como um percurso natural entre o espaço aberto e o fechado agora será vedado e artificializado. O projeto de Moacyr de Freitas também traz um trabalho conceitual sobre a “verdade do material”, com o concreto aparente exposto como ele é. Ao cobrir o concreto com fachada espelhada, a reforma apaga o conceito original do projeto. “Com o fechamento do pátio, aí sim é uma pá de cal. Deixa de existir o conceito principal que norteava o projeto. Só lamento”, diz Andrade.

O arquiteto Luiz de Arruda, especialista em eficiência energética, destaca que fechar o espaço para climatizar, além de ser um projeto de custo alto, é também questionável, já que põe em risco a vegetação existente, escolhida para um ambiente a céu aberto.

“Não adianta querer utilizar uma planta de sol para um ambiente de ar-condicionado, porque ela não vai resistir. Um projeto de paisagismo é feito pensando em todos os fatores”, explica, ressaltando que há todo um contexto que precisa ser levado em consideração.

Outro ponto destacado é o conceito da arquitetura biofílica — que busca conectar os espaços com a natureza, promovendo contato para bem-estar e saúde mental. O próprio jardim, com suas plantas e sombreamento natural, cumpre uma função de conforto térmico.

“Um ambiente ao ar livre pode ser um ambiente de maior descompressão”, afirma.

Não se trata apenas de uma decisão estética e de conforto térmico: é um rompimento com princípios básicos de arquitetura sustentável e respeito à história e à arquitetura dos espaços públicos. A proposta de fechamento simboliza o quanto o projeto de reforma virou uma obra mascarada sob o discurso da modernização.

Uma das características mais marcantes do Palácio Paiaguás é sua fachada com o mural Bovinocultura, do artista plástico Humberto Espíndola. Neste ponto, a informação é que a obra será preservada. Mas o projeto com essa incorporação não foi divulgado.

O fato é que a cada tapume erguido e concreto coberto, o Palácio Paiaguás perde sua identidade. Ninguém quer que o prédio fique caindo aos pedaços — reformas são necessárias. Integrantes do governo afirmam que Mauro Mendes age com boas intenções e defende a modernização. Mas por que o governo esconde o projeto?

Para viabilizar a obra da reforma, o Executivo articulou, de forma silenciosa, a derrubada do tombamento do prédio. E as vozes de protesto não ecoaram.

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