COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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Mais árvores para a capital mais quente

Arte: Anderson Pinho

Sebastião Salgado, morto na semana passada, foi um dos maiores fotógrafos do país. Além de sua obra fotográfica, reconhecida mundialmente, ele deixou outro legado igualmente valioso, que foi o ambiental.

Junto com sua esposa Lélia Wanick, Sebastião Salgado promoveu o reflorestamento da Fazenda Bulcão em Aimorés (MG), propriedade da família, recuperando a biodiversidade local e possibilitando um desenvolvimento rural sustentável às margens da Bacia do Rio Doce.

A decisão de reflorestar a propriedade ocorreu em 1998, resultando no plantio de cerca de 2,7 milhões de árvores, com a restauração de 600 hectares de floresta. Antes desértica, a região voltou a abrigar centenas de espécies de fauna e flora nativas, muitas delas ameaçadas de extinção. Dessa iniciativa surgiu ainda o Instituto Terra, ONG fundada pelo casal.

Sexta-feira (23), dia do falecimento de Salgado, o Instituto postou na internet mensagem frisando que, “ao lado de sua companheira de vida”, o fotógrafo “semeou esperança onde havia devastação e fez florescer a ideia de que a restauração ambiental é também um gesto profundo de amor pela humanidade”.

Guardadas as proporções, visto que há relevantes diferenças entre os casos, associei a ação de Salgado e Lélia a uma atividade educativa de alunos do ensino médio de Cuiabá, que vi nas redes sociais, para disseminar árvores frutíferas na capital mato-grossense.

Inspirada na bem-sucedida recuperação de uma área desértica em área rural, em Aimorés, pensei comigo que a iniciativa dos estudantes cuiabanos possa, talvez, da mesma forma, propiciar o aparecimento, daqui a um tempo, de árvores espontâneas em diferentes locais da nossa cidade ardente.

Mariah, Arthur, Amanda, Hadassa e Luísa têm 17 anos e estão no terceiro ano do ensino médio no Colégio Isaac Newton. A escola, dentro da Olimpíada Restaura Natureza que realiza, deu a oportunidade a eles, e aos colegas no geral, de criarem o próprio projeto.

Inicialmente, eles pensaram na despoluição do rio Cuiabá, mas, diante do tempo curto, optaram por uma palestra na escola de conscientização e de entrega de ‘bolotas de semente’ para semear árvores na capital.

Outrora chamada de ‘cidade verde’, Cuiabá perdeu, na atualidade, muitos quintais cheios de árvores frutíferas e sofre com a falta de arborização de espaços públicos por conta de sua urbanização. A ausência de sombra nas vias da capital propicia, por óbvio, um ambiente mais quente e seco.

Pensando no surgimento natural de árvores em Cuiabá, os estudantes adotaram, no projeto de restauração, a técnica japonesa denominada ‘bolotas de semente’, também conhecidas como ‘bombas’. Na ação envolveram a comunidade escolar, os moradores do Bairro do Baú (onde se localiza o colégio) e indiretamente toda população local.

As bolotas se resumem a um pouco de terra fértil e sementes envoltas por argila que formam uma bolinha pequena. A terra presente nas bolotas já é o suficiente para o desenvolvimento inicial da planta, até que ela possa buscar os nutrientes no solo por meio das raízes.

Podem ser jogadas em algum terreno baldio, ou plantadas no quintal da casa, de preferência em um lugar em que as sementes possam ter bastante espaço para crescer. No caso dessas bolas jogadas no meio ambiente, a própria ação das chuvas e da fauna local vai abrir a bolota e realizar a brotação da semente.

À coluna, Mariah explicou que não foi possível a ela e ao grupo de colegas utilizar a diversidade de espécies nativas locais por causa da dificuldade em encontrar na cidade esse tipo de sementes.

“Contatamos o Horto Florestal de Cuiabá, o Viveiro do IFMT, lojas e produtores locais, mas encontramos apenas mudas. Porém, consideramos que seria muito difícil organizar a distribuição dessas mudas já que são maiores e demandam mais manejo”, contou ela.

Disso surgiu a decisão de usar sementes de frutas, entre elas, as de mamão, pitanga, acerola, melão e limão. Mariah lembrou também que a ação beneficiou espécies da fauna local, “pois os animais e insetos decompositores vão ingerir os frutos que as árvores vão gerar e, dessa forma, combater o sofrimento da fauna na zona urbana”.

As ‘bolotas de semente’ produzidas pelos jovens estudantes (eles fizeram um vídeo ensinando como fazer e postaram no Instagram) foram entregues nas proximidades da escola e, certamente, vão restaurar pontos diferentes de Cuiabá. Mas, para além disso, o que é esperado pelo grupo é a geração de debates entre os alunos que assistiram à palestra sobre o assunto.

Como pontuei atrás, ao comentar o legado ambiental do fotógrafo Sebastião Salgado, pode-se dizer que a comparação de restauração entre lá, em Aimorés (MG), e cá, em Cuiabá, não é perfeita, mas é útil quando pensamos em princípios e iniciativas e, em especial, em pessoas.

Uma ação de jovens preocupados com o ambiente onde vivem, com seus moradores, com o clima e outros fatores ambientais é, sem dúvida, um ganho para a capital mato-grossense.

Parabéns e que essa iniciativa se reproduza, assim como as sementes!

*Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte.

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