Marco do licenciamento e o risco de retrocesso
Simplificar e ‘desburocratizar’ são palavras recorrentes na defesa do texto do projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, aprovado na Câmara dos Deputados e que agora tramita no Senado Federal. ‘Grande retrocesso e PL da Devastação’ são termos usados por críticos da proposta. Afinal, será que estão abrindo a porteira para a boiada passar ou é exagero dos críticos de plantão, daquela turma ‘contrária ao desenvolvimento’?
Essa proposta é antiga, foi discutida na Câmara dos Deputados por 17 anos, e no Senado, está em análise há quatro. Depois de receber 93 emendas, foi apresentado, na semana passada, um relatório único pelas comissões de Meio Ambiente (CMA) e da Agricultura (CRA), sob relatoria dos senadores Confúcio Moura (MDB-RO) e Tereza Cristina (PP-MS), respectivamente.
Tereza Cristina defendeu, de forma resumida, que os processos devem ter suas especificidades, dependendo do grau de poluição e porte do empreendimento. Os mais simples devem ter licenciamentos rápidos e, para os mais complexos, a exigência aumenta.
Uma das críticas contundentes ao relatório veio da responsável pela pasta que conduz a política ambiental do país, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Para ela, o texto é um desmonte da atual política de proteção ambiental.
O relatório prevê a licença por adesão ou compromisso (LAC) para atividades de baixo potencial de degradação e de pequeno porte. Essa previsão existia em legislações estaduais, agora foi incluída na federal. Cabe ao próprio empreendedor declarar que atende a todas as normas legais.
É algo bastante aberto, como se bastasse uma espécie de profissão de fé do declarante. Há previsão de que a autoridade licenciadora faça, anualmente, vistorias ‘por amostragem’ para conferir se os empreendimentos licenciados por LAC estão cumprindo o prometido.
Vale aqui retroceder um pouco para lembrar para que serve o licenciamento ambiental. É a ferramenta do poder público para autorizar a instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades que envolvem recursos ambientais. Com base em informações técnicas, ele mostra como um empreendimento pode operar, sempre garantindo a devida proteção ao meio ambiente e à saúde pública.
Atualmente coexistem regulamentações variadas – e por vezes conflitantes – nas diferentes esferas federativas que provocam demora, confusão nas interpretações e disputas judiciais nos processos de licenciamento. A ideia é que uma lei geral de licenciamento pode trazer mais clareza e segurança jurídica.
A questão, porém, é a baliza legal para este licenciamento, que não deveria perder de vista os conceitos de sustentabilidade ambiental, econômica e social. Mas parece que o sarrafo foi baixado, em nome da simplificação e da celeridade.
O relatório aprovado prevê que boa parte do licenciamento deixa de seguir o atual rito de três fases: licença prévia, de instalação e de operação. E há uma boa lista de isenções de licenciamento: de obras e intervenções emergenciais ou de calamidade pública; na manutenção e melhoria da infraestrutura em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão e também para os empreendimentos militares.
Pela proposta, quatro atividades agropecuárias serão dispensadas de licenciamento: o cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; a pecuária extensiva e semi-intensiva; a pecuária de pequeno porte; e pesquisas de natureza agropecuária sem risco biológico.
Há ainda a proposta de renovação automática da licença para atividades consideradas de baixo ou médio potencial poluidor e pequeno ou médio porte, mediante a apresentação de relatórios regulares. Já as atividades de mineração de grande porte e/ou de alto risco deverão cumprir as regras da lei geral.
Redes e organizações da sociedade civil também acompanham com preocupação o avanço dessa proposta que, na avaliação delas, destrói o licenciamento ambiental e pode agravar a emergência climática. O Observatório do Clima se mobiliza para que a balança se mova com mais equilíbrio do ponto de vista socioambiental.
Marina Silva diz que o licenciamento é uma importante ferramenta para a proteção da natureza e que pretende dialogar com o Congresso, na defesa do atual modelo. A voz dela, porém, deverá enfrentar dificuldades de ser ouvida no Senado, onde o presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), atendendo à bancada ruralista, determinou celeridade na discussão e votação. E parece coisa de pacote completo, ‘porteira fechada’ mesmo.
Missão difícil para Marina, que não consegue mostrar força no fórum legislativo, até porque se vê, muitas vezes, isolada dentro do próprio governo. O mais provável é que vamos ouvir, nos próximos dias, senadores e representantes de setores econômicos explicando que é preciso destravar investimentos e que o licenciamento ambiental não pode continuar atrapalhando o futuro do país.
Só não é legal que se repita na área ambiental o ‘passa boi, passa boiada’ de alguns anos atrás, quando o povo estava focado em sobreviver à pandemia, enquanto as autoridades ambientais liberavam geral para a devastação da natureza. É preciso atenção redobrada porque decisões sobre questões tão cruciais para a nação não podem ser tomadas no espírito de Vale Tudo.
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