Nós contra eles

Foto: Brun o Spada/Agência Câmara
O Congresso impôs uma derrota acachapante ao governo com a derrubada do decreto assinado pelo presidente Lula sobre a taxação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Mas como toda ação gera uma reação, o governo reagiu, botando seu bloco na rua. O Partido dos Trabalhadores, movimentos sociais e parlamentares da base governista passaram a divulgar nas redes sociais vídeos mostrando o que muitos de nós já sabemos. Ou seja, que quem arca com a maior carga de impostos no Brasil é a população com menos recursos. E que os ricos e, em especial os super-ricos, pagam muito pouco imposto, bem menos que os demais mortais que vivem por aqui.
A reação do governo pretende neutralizar o discurso do Congresso de que a sociedade não aguenta mais pagar impostos. Esse discurso foi usado como justificativa, ou desculpa, para derrubar o decreto do IOF, mas as verdadeiras razões são bem menos republicanas.
De fato, boa parte da sociedade, em especial aquela com renda mais baixa, ou mesmo a classe média, paga mais impostos do que deveria. O imposto sobre o consumo, por exemplo, tem um peso bem maior para essas camadas da população.
Por outro lado, o aumento do IOF, proposto pelo governo e derrubado pelo Congresso, incide sobre operações financeiras. Setores poderosos como as fintechs, um dos segmentos do sistema financeiro; e as apostas eletrônicas, as chamadas bets, pagariam um imposto maior. Esses e outros segmentos fizeram um forte lobby no Congresso pela derrubada do IOF e foram bem-sucedidos.
O objetivo do decreto foi assegurar recursos para fechar as contas do governo e cumprir as metas fiscais de 2026. Sem essa receita, o governo terá que buscar os recursos com cortes em áreas essenciais, como saúde e educação.
Ao derrotar o governo e inviabilizar a taxação de setores ricos e influentes com o argumento de que a sociedade não aguenta mais impostos, o Congresso sinaliza que prefere sacrificar a saúde e a educação do que mexer com o setor financeiro.
Outros sinais deixam muito claro de que lado está a maioria do Congresso eleito em 2022. A Proposta de Emenda Constitucional que altera a escala 6×1 – aquela que impõe ao trabalhador uma jornada exaustiva, com apenas um dia de folga na semana, nem sempre aos domingos – de autoria da deputada Érika Hilton, mesmo contando com grande apoio popular, enfrenta grande resistência na Câmara dos Deputados. Pesquisa de opinião publicada esta semana mostrou que 70% dos congressistas são contra mexer nessa escala.
Em março, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei para isentar do Imposto de Renda os contribuintes com renda de até R$ 5 mil. E, para compensar essa medida, propôs uma taxação mínima de 10% para a alta renda, pessoas que têm renda anual acima de R$ 1,2 milhão.
De um lado, seriam beneficiados 10 milhões de contribuintes, que deixarão de pagar o imposto. De outro, seriam taxados 140 mil pessoas, os chamados super-ricos. Mas já estamos em julho e não há qualquer garantia de que esse projeto seja aprovado ainda este ano, para começar a valer em 2026.
Pelo contrário, pois com a guerra declarada do Congresso contra o governo, a partir da derrubada do decreto do IOF, nossos digníssimos parlamentares, ou a maioria deles, só pensa naquilo, ou seja, na eleição do ano que vem, e promete fazer de tudo para dificultar a vida do atual mandatário, mesmo que isso signifique virar as costas para a parcela da população com renda mais baixa que, essa sim, não aguenta mais pagar impostos.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), reclama que o governo está incentivando essa guerra ao apostar no “nós contra eles”.
Se “eles” estão agindo contra os interesses dos trabalhadores, dos assalariados de menor renda e da parcela da população que depende do SUS e das escolas públicas, acho mesmo que tem que ter guerra, ou seja, conscientização e mobilização da sociedade.
É nós, a sociedade que não acha normal os ricos ficarem mais ricos, enquanto a desigualdade se aprofunda, contra eles, aqueles que poderiam usar o seu voto para fazer a mudança, mas não fazem.
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