O celular bomba de Zampieri
Nos corredores e gabinetes do Judiciário mato-grossense, a venda de sentenças sempre foi assunto de bastidor. Conversas sigilosas entre advogados e magistrados, “fofocas” entre colegas, mantém o tema restrito. No entanto, o clima esquentou nos últimos meses com o afastamento dos desembargadores Sebastião de Moraes e João Ferreira Filho pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em agosto, por suspeita de venda de sentenças no TJMT.
O esquema veio à tona após a análise de conversas extraídas do celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em dezembro de 2023. As investigações revelaram suspeitas de propinas com pagamento em barra de ouro, repasses de R$ 600 mil e R$ 250 mil, PIX e presentes luxuosos, como um relógio Patek Philippe. As informações constam na decisão do ministro Cristiano Zanin, do STF, que autorizou a prisão temporária do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves e o cumprimento de 23 mandados de busca e apreensão em Mato Grosso, Pernambuco e no Distrito Federal. Zanin determinou que os dois desembargadores e outros oito investigados usem tornozeleiras eletrônicas.
As conversas do celular não se limitaram ao estado de Mato Grosso. Elas envolveram advogados que também são suspeitos de negociar decisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda Corte mais importante do país. A Polícia Federal apura a venda de sentenças em gabinetes de quatro ministros do STJ: Isabel Gallotti, Og Fernandes, Nancy Andrighi e Moura Ribeiro. Embora não haja provas de envolvimento direto dos ministros, funcionários da Corte estão sendo investigados.
Em Mato Grosso do Sul, outro esquema de corrupção no Judiciário teve ligação com o telefone de Zampieri. No TJMS cinco desembargadores também passaram a usar tornozeleiras eletrônicas. Andreson, conhecido como o “lobista dos tribunais”, é apontado como elo central no caso e está detido na Superintendência da Polícia Federal em Cuiabá. A expectativa agora é com as revelações de informações dos celulares e equipamentos eletrônicos apreendidos.
Em uma das mensagens no celular de Zampieri, ele se referia a Andreson como o “cara lá de Brasília”. Zampieri chegou a pedir que a esposa do lobista, que também é advogada, redigisse uma minuta de decisão para que um desembargador “amigo” assinasse.
A investigação também conectou o caso à Operação Faroeste, que apura a venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia desde 2019. Uma das fases da Faroeste mirou o advogado Vanderlei Chilante, que fez delação premiada e representava, no TJMT, a família de Aníbal Manoel Laurindo, indiciado como mandante do assassinato de Zampieri.
Alguns nomes suspeitos de envolvimento na venda de sentenças ficaram de fora da ação da PF, o que sugere para quem acompanha o caso que delações estão sendo feitas, embora não confirmadas oficialmente.
Como de costume em escândalos, o TJMT se recolhe em seu casulo. O Judiciário é um dos poderes com salários mais bem pagos do país. Desembargadores ganham valores bem acima do teto constitucional de R$ 41,6 mil. Segundo o levantamento do Transparência Brasil, no ano passado, quase 70% dos 13,2 mil juízes e desembargadores pesquisados no país receberam entre R$ 100 mil e R$ 499 mil acima do teto. O eh fonte revelou que, em dezembro de 2023, os magistrados mato-grossenses receberam cerca de R$ 600 mil cada na folha complementar.
O Judiciário ainda demanda maior transparência. O resultado do conteúdo explosivo do celular de Zampieri ainda é uma incógnita, mas o histórico indica que processos assim são morosos e, na maioria das vezes, não resultam em uma dura punição.
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