O etanol combustível faz 100 anos
Para abastecer o carro, a escolha pelo etanol ou gasolina depende quase sempre do preço. A questão ambiental também tem seu peso, mas quase ninguém se preocupa com a diferença de octanagem e outras questões técnicas. É que os motores estão perfeitamente adaptados aos dois combustíveis e não há problema com a oferta deles nas bombas. Para chegar até aqui, lá se vão 100 anos de esforços para viabilizar o etanol como um combustível que, entre idas e vindas, se encaixou bem às necessidades do país.
No começo, a matéria-prima do etanol era a cana e, mais recentemente, o milho entrou com sucesso absoluto. A história deste biocombustível que garante hoje mais sustentabilidade à matriz energética brasileira tem uma trajetória de altos e baixos.
Sempre foi dependente de decisões políticas, do mercado internacional, mas, ao longo do último século, o etanol sempre teve o suporte da pesquisa e de defensores (quase visionários do passado) de que matérias-primas renováveis poderiam viabilizar comercialmente biocombustíveis para reduzir a dependência do petróleo.
Tudo começou em Alagoas, na Usina Serra Grande, município de São José da Laje. Em 1924, o usineiro Salvador Lyra começou os testes e lançou o USGA, que era uma mistura de etanol, éter e óleo de rícino, como combustível automotivo. Com pequenas adaptações do motor, o produto funcionava bem, teve boa aceitação e chegou a ser vendido em várias cidades do Nordeste brasileiro, com o preço até 50% abaixo do valor da gasolina importada dos EUA.
Há também registros fotográficos de um automóvel de quatro cilindros da Ford que participou, em 1925, de uma corrida na cidade do Rio de Janeiro usando como combustível álcool etílico a 70%.
Em 1931, ainda sob efeito da Crise de 1929, o governo brasileiro decretou a mistura de 5% de álcool nacional à gasolina. Na sequência, os preços da gasolina despencaram e o álcool saiu de cena.
Durante a Segunda Guerra, o etanol voltou a ter papel importante em razão da dificuldade de importar petróleo. Alguns estados do Nordeste chegaram a adicionar até 42% de álcool à gasolina.
A crise do petróleo dos anos 1970 foi o empurrão para que o biocombustível ganhasse mais protagonismo. Em novembro de 1975 um decreto criou o Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, que tinha o objetivo de diminuir a dependência externa e desenvolver a tecnologia nacional.
O resultado veio. Nos dez anos seguintes, a produção cresceu mais de 2.000%. A indústria automobilística, que inicialmente fez adaptações nos motores, lançou em 1979 o primeiro automóvel produzido em série com motor a álcool, o Fiat 147. E, ao longo dos anos 1980, o uso do etanol se popularizou bastante.
Porém, nova crise alcançou o setor na década de 1990. As oscilações de preços – queda no petróleo e aumento no açúcar – levaram os usineiros a reduzir a produção do álcool e muitas montadoras até deixaram de oferecer modelos que rodavam com o biocombustível.
O século XXI chega e, com ele, um novo ciclo de aumento dos preços dos combustíveis fósseis. Investimentos maciços são, então, direcionados para pesquisas de desenvolvimento de novos biocombustíveis. E um invento revolucionário, o motor bicombustível (flex fuel), que já estava em testes desde os anos 1990, teve o uso regulamentado no final de 2002.
O ano de 2003 começou com a novidade da Volkswagen, o Gol Total-Flex. A GM seguiu o exemplo e colocou no mercado o seu Corsa FlexPower. As portas se escancararam, enfim, para a nova tecnologia que passou a ser adotada comercialmente pelas demais montadoras.
E lá se vão mais de duas décadas de um ciclo sem volta. Em 2017, o Brasil criou a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) que tem a missão de expandir a produção e uso de biocombustíveis na matriz energética brasileira e mitigar as emissões de gases de efeito estufa, em cumprimento ao Acordo de Paris.
Segundo o Ministério das Minas e Energia, o Brasil produziu 43 bilhões de litros de etanol em 2023. Este biocombustível, que já é o responsável por 44% da demanda dos veículos leves do país, deve aumentar sua participação com a Lei do Combustível do Futuro, que entrou em vigor em outubro. Ela ampliou a margem de mistura de etanol à gasolina, que passou a ser de 22% a 27%, podendo chegar a 35%. E o milho conquista cada vez mais espaço na produção total de etanol, representando hoje 19% de participação.
Mato Grosso é o segundo maior produtor de etanol do Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo. A estimativa desta safra 24/25 é de produção de 6,3 bilhões de litros do biocombustível, um aumento de 10% sobre a safra anterior. O interessante é que a maior parte vem do milho (5,2 bilhões de litros) e 1,088 bilhão da cana.
De todo o etanol de milho produzido no Brasil, 73% saem de Mato Grosso, onde operam onze usinas e outras nove estão em construção.
O etanol chega com papel estratégico ao fim deste primeiro século de uso como combustível no Brasil. Se no início a busca pelo biocombustível tinha razões econômicas e geopolíticas, atualmente a questão ambiental tem grande peso. É imperiosa a necessidade de reduzir o uso dos combustíveis fósseis e esta tecnologia nacional vai ajudar a posicionar o Brasil à frente da transição energética.
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