COLUNA

Francisca Medeiros

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Quem se importa e topa pagar pela biodiversidade?

Foto: Marcelo Camargo/ABr

Quatro meses depois da suspensão por falta de consenso da COP 16 da Diversidade em Cali, Colômbia, os representantes de 196 países voltaram a se reunir na semana passada, na sede da FAO, em Roma, para continuar a difícil conversa interrompida para definir a corresponsabilidade de financiar a preservação das espécies. Ao fim, o compromisso firmado foi de mobilizar de fontes diversificadas US$ 200 bilhões por ano até 2030.

Isso é pouco? Claro que não é uma quantia que se despreze, mas está muito abaixo do desafio gigante negligenciado até agora. Em 2022, o acordo firmado previa que os mais ricos arrecadariam R$ 20 bilhões até 2025 para direcionar para as nações em desenvolvimento. E quase nada aconteceu até agora.

Um dos resultados concretos que saiu de Roma foi o lançamento oficial do Fundo Cali para Compartilhamento Justo e Equitativo dos Benefícios do Uso de Informações Digitais de Sequências sobre Recursos Genéticos. Com esse nome quilométrico, uma das missões do fundo é captar dinheiro da iniciativa privada, de empresas que usam comercialmente produtos da natureza e que as comunidades sejam beneficiadas para ter meios para cuidar da própria biodiversidade. Na mira estão, por exemplo, as gigantes das indústrias farmacêutica, cosmética, de biotecnologia e melhoramento genético e do agronegócio que usam dados genéticos sequenciados digitalmente.

A adesão ao fundo é voluntária, mas o que se espera é que as empresas se convençam que vale a pena investir para colher benefícios na reputação e na imagem corporativa e na participação pioneira no promissor mercado sustentável.

O conceito por trás deste mecanismo é o de justiça ambiental. Que as empresas compartilhem parte dos ganhos com os países e povos de origem das matérias-primas. As regras preveem que a contribuição seja de 1% do lucro ou 0,1% da receita. Sobre o tema, o chefe da Assessoria Internacional do Ministério da Igualdade Racial, Igor Trabuco, disse que a proteção da biodiversidade deve valorizar os saberes e territórios de comunidades afrodescendentes e tradicionais. Pelo acordo, estes grupos devem receber 50% do financiamento para dar suporte aos projetos de biodiversidade locais.

Entre os compromissos gerais firmados na convenção está o de, até fevereiro de 2026, todos os países-membros entregarem suas estratégias e planos de ação para a proteção da biodiversidade. Somente 23% das nações já cumpriram essa obrigação, entre elas o Brasil. Nosso país promete conservar e manejar, até 2030, pelo menos 80% da Amazônia e 30% dos demais biomas, incluindo as águas continentais e o sistema costeiro-marinho. Vale lembrar que os Estados Unidos não assinaram a Convenção da Diversidade.

De forma geral, persistem dificuldades para além da necessidade de aumento do financiamento por parte dos países ricos. Um dos nós é a demanda por maior participação dos países em desenvolvimento na governança dos instrumentos financeiros. Eles defendem a estruturação de uma nova ferramenta que seja associada à própria Convenção da Diversidade Biológica. Já os ricos querem que o novo fundo seja administrado pelo Banco Mundial, onde eles têm maior poder de decisão.

O desafio de colocar a mão no bolso para financiar as iniciativas de redução das emissões globais tem sido também o calcanhar de aquiles das conferências das mudanças climáticas da ONU que têm como foco a crise do clima, cuja próxima edição será em Belém (PA) em novembro próximo. E é importante que haja alinhamento das estratégias desses eventos globais para que as promessas, os acordos assinados, não se tornem um amontoado de boas intenções que não saem do papel em meio ao caos ambiental que atinge todo o planeta. E o essencial é que o dinheiro chegue na ponta, onde ainda existe biodiversidade a ser conservada, especialmente nos países mais pobres e vulneráveis.

Para finalizar, recorro à reflexão do ministro do Meio Ambiente de Serra Leoa, Jiwoh Abdulai, ao fim da primeira etapa da COP da Diversidade, em Cali, reproduzida pelo portal O Eco. Ele clamou por soluções reais e imediatas. “Se você visse a casa do seu vizinho pegando fogo, não esperaria que ele chegasse até a sua para agir. Então por que a comunidade internacional está agindo com tanta falta de urgência quando se trata do incêndio global que enfrentamos atualmente com a perda da natureza?” Adbulai lembrou que “a biodiversidade é um bem público. É nossa maior defesa contra as mudanças climáticas, nossa fonte de alimentos, remédios, água, renda e identidade.”

Não há dúvida de que a proteção da diversidade biológica é uma das chaves para resolver a crise climática. Que venham as ações efetivas de governos e da iniciativa privada. Porque, apesar dos devaneios de multimilionários poderosos de plantão, só temos este planeta para chamar de casa, onde nossos sonhos são acolhidos e onde todas as formas de vida merecem ser preservadas.

*Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte

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