Sempre os combustíveis fósseis
Começa hoje a 29ª edição da cúpula climática da ONU, em Baku, capital do Azerbaijão, um dos grandes exploradores de petróleo e gás natural do mundo. Assim como na conferência anterior, sediada nos Emirados Árabes, há a dúvida se a agenda da transição energética vai avançar a tempo de barrar os efeitos das mudanças climáticas. Os principais pontos em debate são o financiamento aos países em desenvolvimento e o uso dos combustíveis fósseis. Quais países estão dispostos, de fato, a reduzir, ou eliminar, esta fonte de energia?
Esta conferência já abre com uma séria denúncia no ar. A BBC divulgou há três dias que o diretor executivo do evento, Elnur Soltanov, é suspeito de ter usado seu posto para organizar uma reunião para discutir potenciais acordos de combustíveis fósseis como ‘oportunidades de investimentos’. Ele é vice-ministro de energia do Azerbaijão, que tem metade de sua economia ancorada no petróleo e gás natural. Há um ano, a BBC também divulgou documentos que mostravam planos de os Emirados Árabes usarem sua condição privilegiada de anfitrião para fechar acordos semelhantes.
Os combustíveis fósseis são um assunto que envolve enormes interesses econômicos. Foi somente em 2023 que quase 200 países concordaram em incluir no balanço global da COP um plano para a transição ‘em direção’ ao fim destas fontes de energia. Foi um avanço histórico, mas um ano se passou e quase nada mudou. No ano que vem a COP será brasileira, em Belém, no coração da Amazônia, e existe um consenso (ou desejo) de que será uma bela oportunidade de o Brasil assumir mais protagonismo nesta discussão.
A matriz energética brasileira é uma das mais limpas no mundo, 84% vêm de fontes renováveis, enquanto a média dos países do G20, por exemplo, é de 29%. Mas pela intensidade das tragédias ambientais que temos vivido, não dá para renunciar a nenhuma alternativa de descarbonização, como reduzir o desmatamento, as queimadas e o uso de combustíveis fósseis. Carvão, petróleo e gás são responsáveis, desde a Revolução Industrial, por quase 80% de todas as emissões de dióxido de carbono do planeta.
Na sexta-feira passada, o governo federal antecipou a divulgação da nova meta climática do Brasil para os próximos dez anos e que será apresentada pela comitiva oficial em Baku. O compromisso é reduzir a emissão dos gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035, comparado com os níveis de 2005. A ministra Marina Silva defendeu que o Brasil não foi modesto em seus objetivos e disse que o governo leva a sério a promessa de enfrentar as turbulências climáticas.
Pelo Acordo de Paris de 2015 todos os signatários devem atualizar suas metas até fevereiro do ano que vem, apresentando novas – e mais ambiciosas – propostas para conter o aquecimento do planeta em 1,5°C em relação ao período pré-industrial. O objetivo é alcançar a neutralidade das emissões até 2050.
Quanto à meta brasileira, ambientalistas e cientistas consideram que ainda falta explicar como ela será atingida e os detalhamentos dos planos setoriais. Na verdade, o Plano Clima ainda está sendo formatado e vai incluir as diretrizes de mitigação e de adaptação no país. Em breve ele deverá ser levado à consulta pública e a finalização ficará para o primeiro trimestre de 2025. Será, certamente, assunto na COP de Belém.
O climatologista Carlos Nobre afirma que o Brasil não está preparado para as mudanças climáticas e suas consequentes tragédias, mas é o país que tem a possibilidade de ser o primeiro, entre os grandes emissores, a alcançar a neutralidade. O uso da terra – queimadas, desmates, atividade agropecuária – tem grande peso nas emissões brasileiras, por isso considera que o cerco ao desmatamento em todos os biomas é tão importante.
Temos recebido notícias animadoras que mostram que o desmatamento na Amazônia vem caindo, chegando ao menor nível desde 2015. Mas ainda está longe de ser zerado – uma promessa que deverá ser atingida até 2030, o que, convenhamos, já está batendo à nossa porta.
Um outro problema citado pelos especialistas do clima é que o comunicado brasileiro sequer cita a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. O governo continua firme com o projeto pra lá de polêmico de exploração de petróleo na margem equatorial do Amazonas.
Como contraponto, há algumas iniciativas na América do Sul que dão o recado no sentido inverso. Uma delas vem da Colômbia que se tornou o primeiro país latino-americano a aderir ao Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, fazendo companhia a nove outros pequenos países.
No Equador, um exemplo de resposta ao desafio de reduzir as emissões veio do povo. Em agosto de 2023 a população foi consultada para decidir sobre a proibição da exploração de petróleo no Parque Nacional Yasuni, um templo da biodiversidade amazônica. A resposta de 60% foi que a atividade deve ser proibida, preferiram manter no subsolo estimados 700 milhões de barris de petróleo bruto.
Nestas próximas duas semanas a atenção global estará, com razão, voltada para a COP29. Os debates e os acordos deixarão claro se aumentou a ambição global para enfrentar as mudanças climáticas e se serão construídos mecanismos concretos para isso. Vamos ver também se os ricos estão dispostos a colocar a mão no bolso para ajudar os países em desenvolvimento a se preparar melhor para um desafio tão vital para a humanidade e que só será superado com desenvolvimento sustentável e inclusão social. Que no dia 22 de novembro tenhamos boas notícias por aqui.
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