Silêncio constrangedor
Neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, penso ser oportuno e necessário expor “o esquisito silêncio”, ou a ‘vista grossa’ das lideranças locais a respeito dos ataques sofridos pela ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, no Senado Federal, em 27 de maio.
Desde aquele lamentável episódio até o dia de ontem, em Mato Grosso, somente a voz do cacique Raoni ecoou em solidariedade à Marina Silva. Líder na atuação política em prol da defesa do meio ambiente e dos direitos indígenas, o cacique kayapó Raoni vive na Aldeia Piaraçu, Terra Indígena Capoto-Jarina, em São José do Xingu (MT).
Não se viu de parte dos poderes Executivo e Legislativo locais, ou dos partidos políticos e seus representantes, qualquer manifestação de repúdio às agressões ou gesto de apoio à ministra. A única exceção foi o deputado Carlos Avallone (PSDB), que preside a Comissão de Meio Ambiente da ALMT. Ele classificou os episódios como “desrespeitosos e motivados por preconceito de gênero”. Ufa!
Como noticiado, a ministra foi atacada durante a audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado em discussões com Omar Aziz (PSD-AM), Marcos Rogério (PL-RO) e Plínio Valério (PSDB-AM). Conforme nota do ehfonte, o embate começou quando Aziz criticou a conduta de Marina à frente do Ministério.
A ministra, que foi à Comissão para falar da criação de áreas de conservação no Norte, se disse ofendida e questionou a condução dos trabalhos por Marcos Rogério, que a mandou se colocar “no seu lugar”. Os ânimos se exaltaram quando Plínio Valério afirmou que era preciso separar a mulher da ministra porque a “mulher merece respeito e a ministra, não”.
Por ser alvo de declarações “machistas e ofensivas”, o Ministério das Mulheres repudiou, ainda no dia 27, a conduta dos senadores, afirmando que Marina foi desrespeitada e agredida como mulher e como ministra por parlamentares. “Eu saí dali mais fortalecida. Eles não conseguiram me intimidar. Ninguém vai dizer qual é o meu lugar”, disse a ministra.
Nos dias seguintes, o que se leu (e viu) foram gestos de apoio a Marina de parte de diversas parcelas da sociedade – governo federal, assembleias e governos estaduais, organizações e entidades sociais, além de políticos e cidadãos, entre outros. Um abaixo-assinado online pedindo a cassação do mandato do senador Marcos Rogério já registrava, domingo, cerca de 150 mil assinaturas.
Porém, curiosamente, autoridades e personalidades de Mato Grosso que deveriam estar ao lado de quem luta pelo meio ambiente, visto a particularidade de o estado abrigar três biomas (cerrado, pantanal e amazônia), ignoraram o fato. Optaram por relevar algo importante, ou simplesmente negligenciaram. Daí que a voz de Raoni ressoou isolada.
Alguém irá me lembrar as razões para esse “esquisito silêncio”, entre elas, a discordância ideológica entre Marina Silva e a atual representatividade política mato-grossense, assumidamente de direita, e os embates locais quanto aos licenciamentos ambientais, frequentemente apontados como entraves às obras de infraestrutura no estado, como a Ferrogrão.
Há também forte incompatibilidade das ações da ministra em relação ao agronegócio. Em entrevista ao site MidiaNews, domingo (1º), cinco dias após o ataque no Senado, Marina não foi poupada pelo presidente da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja-MT), Lucas Beber.
Ele disse que o presidente Lula deveria tirar Marina do cargo de ministra, “caso queira se aproximar dos produtores do país”. Acrescentou que Marina “é o grande entrave hoje do setor agropecuário”, mencionando que “ela é uma oposição política e ideológica ao setor” e ainda que “não vende o agronegócio ao mercado internacional”.
No Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, a legislação ambiental é, atualmente, um dos focos de atuação de Marina. Segundo ela, o governo federal está empenhado em conter a aprovação do projeto de lei 2.159, também conhecido como o PL da Devastação, na Câmara Federal. O texto altera a base regulatória do licenciamento ambiental no país e já foi aprovado no Senado.
Os ambientalistas apontam que a nova lei enfraquece as normas do licenciamento ambiental, fragilizando a proteção dos recursos naturais e dos territórios tradicionais, onde vivem indígenas, quilombolas e outras populações com modo de vida sustentável.
Alguns podem sinalizar que divergências fazem parte da política. Sim, mas isso não descarta a observância ao conjunto de formalidades entre si pelos cidadãos como indicador de respeito mútuo e consideração. Ou simplesmente boa educação.
Da mesma forma, conscientização em relação à defesa e proteção ambiental é importante, principalmente em Mato Grosso, que se destaca por ecossistemas valiosos para o Brasil e o mundo.
Partindo desse ponto, me junto ao cacique Raoni, no Dia Mundial do Meio Ambiente, para declarar que o que testemunhamos em relação a Marina Silva “foram ataques que ultrapassam o debate político e adentram o campo da discriminação de gênero” e para reafirmar “solidariedade à ministra e aqueles que dedicam suas vidas à proteção do nosso planeta”.
Quanto ao comportamento dos personagens políticos locais em relação ao acontecimento, incluindo das representantes femininas, resta-me a frase que li há um tempo, na internet, de um anônimo – “não me surpreende, mas infelizmente me abala”.
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