
Foto: Reprodução/@morrosantoantoniomt
Mais que um ponto turístico, o Morro de Santo Antônio carrega camadas de memória, resistência e conexão com a história de Cuiabá. Registros apontam que foi usado como ponto de referência pelos bandeirantes e como posto de vigilância durante a Guerra do Paraguai (1864–1870).
Com seus 450 metros de altitude, se destaca na baixada cuiabana, a apenas 17 km de Cuiabá. Do alto, a vista é privilegiada. Mas uma estrada aberta no ano passado no Morro – um rasgo que corta a unidade de conservação – hoje pode ser enxergada de longe.
Chamada de ‘trilha’ pelo responsável pela obra, que é o governo estadual, a estrada acabou sendo alargada por “questões operacionais”. Deveria ter quatro metros e acabou ficando com sete, quase o dobro. Por isso, o Ministério Público Estadual (MPMT) acusa o governo de crime ambiental.
O local foi tombado como patrimônio paisagístico em 2000 e, em 2006, transformado, por lei, em Monumento Natural Estadual Morro de Santo Antônio (MoNaMSA).
O Plano de Manejo do Morro, divulgado pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente (SEMA) após pressão do MPMT, revela que o projeto da obra foi apresentado em uma reunião online, em abril de 2024, para representantes da Ecossistema Consultoria Ambiental e das secretarias de Meio Ambiente (Sema) e de Infraestrutura (Sinfra). A apresentação foi feita pela “equipe proponente”, no entanto, o plano não cita os responsáveis.
Em ofício datado de 10 de maio, consultores apontaram aspectos de “não conformidade com as premissas estabelecidas para a construção de trilhas em Unidades de Conservação” e fizeram “diversas recomendações” no documento, segundo relatam.
O Plano de Manejo do MoNaMSA também esclarece que a sugestão era de que fosse apresentado um projeto executivo com o detalhamento do traçado da trilha, considerado fundamental “devido à complexidade do ambiente natural”.
“Quanto à infraestrutura proposta no projeto de trilha nova, deve-se seguir o Plano de Manejo, priorizando, em curto prazo, a implantação de um Centro de Visitantes”, diz o texto.
Mas nada disso foi feito. Ou seja, o governo contratou uma consultoria, mas ignorou as recomendações, o alerta. O resultado foi o fechamento do Morro de Santo Antônio. Em setembro de 2024, a área foi interditada para a realização das obras. No início de janeiro de 2025, a visitação foi suspensa por causa das irregularidades.
A consultora jurídica do Observa-MT, Edilene Fernandes, destacou à coluna que há um sucateamento dos parques estaduais e uma prática recorrente em Mato Grosso de negligenciar recomendações de especialistas.
Para ela, quando há um indicativo da equipe técnica e, ainda assim, o governo retira caminhões de pedra do local para usar em outra obra de infraestrutura, trata-se de algo “extremamente arriscado”.
No caso, além de ter alterado drasticamente a paisagem com abertura da estrada no Morro, caminhões da Sinfra foram flagrados carregando pedras da região para ornamentar a obra do Parque Novo Mato Grosso.
“O rasgo que foi feito no morro é, inclusive, ilegal. Não há placa indicando obra, não há autorização dos órgãos competentes, foi realizada antes da aprovação do plano de manejo – portanto, é uma obra clandestina, completamente ilegal”, afirmou a consultora jurídica.
A obra, justificada para melhorar o acesso aos turistas, foi uma determinação do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes. Em abril do ano passado, o governador subiu o morro e gravou vídeo informando sobre o projeto.
“Vai continuar o acesso aos aventureiros, não precisa esquentar a cabeça não. Mas vai ter o acesso também bacana, construído para que todos possam acessar aqui em cima. Com certeza será um lugar muito visitado”, declarou. O acesso “bacana” era a estrada.
Além disso, o Executivo contesta a ação do Ministério Público, que atuou para preservar a unidade de conservação. A titular da Sema, Mauren Lazzaretti, chegou a classificar como “excesso” e uma “intervenção na gestão”.
O problema é que o governo não esperou a finalização do plano de manejo, nem acatou as recomendações técnicas. Procuradas para explicar por que não seguiram as orientações, as assessorias da Sinfra e da Sema deram respostas idênticas, apenas esclarecendo que as “obras estão paralisadas”.
Nesse ponto, é preciso reconhecer: graças à atuação do Ministério Público, as obras foram suspensas. Caso contrário, o impacto sobre o monumento natural poderia ter sido maior. Talvez, irreversível.
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